Mario Perniola, “El Arte Expandido”
(Editorial Casimiro)
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Por
F. Castro Flórez
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Mario
Perniola (Asti, 1941/05/20 – Roma, 2018/01/09) teve na Estética uma das
principais linhas da sua filosofia e com o tempo foi-se aproximando da Arte Contemporânea.
No 1º capítulo de ”El Arte Extendido”, subordinado ao tema das estratégias
artísticas e da desestabilização do mundo da arte, Perniola fala da bolha
especulativa que começou no final dos anos 50 do século XX e refere como o
paradigma das vanguardas históricas foi entronizado sobretudo pelo padrão de
reverência que se cria à volta de Marcel Duchamp e como surge daqui uma
estratégia da notoriedade, e, também, como esses processos vão gerando sobretudo
uma desestabilização da arte, mas igualmente uma perda de relevância da crítica da
arte, que se transforma num discurso meramente publicitário, muito eficaz –
segundo Perniola – no plano mediático, mas na realidade subordinado à lógica do
dar notícia dos excertos dos debates artístico-culturais, particularmente
atentos às chaves de transgressão e mesmo de escândalo, ou de indignação por
parte do público. Segundo Perniola, o que vai sucedendo no mundo da cultura é, sobretudo, a impressão que o mundo da arte é algo que não se leva a sério nem
sequer pelos próprios agentes do mundo da arte - ora, se eles, ou nós mesmos, não o
tomamos com seriedade, por que é que tem de tomar o público ou o resto do
contexto cultural?, ,e sobretudo, essa sensação de que qualquer um pode fazer
qualquer coisa como uma rutura entre os saberes eruditos e a cultura da crítica
ligada àquilo que os mass media ou o sistema mercantil vai propondo e gerando.
A
segunda secção deste livro intitulada: todos os artistas são anarquistas,
jogando com a máxima de Joseph Beuys “todo o homem é um artista” e, sobretudo, como o mundo da arte se está destruindo, se está desmantelando, por culpa das
suas contradições internas, e está agarrando-se a tudo e mais alguma coisa para
tentar sobreviver, e analisa o fenómeno da via sexy e a estratégia de expansão
comercial da arte contemporânea, especialmente o projeto da Galeria Saatchi
online, e também analisa como a figura do crítico foi substituída pela figura
do curador; a figura do crítico foi deitada pela janela fora e pela porta
grande entra a figura do comissário, a figura do curador; o crítico no sentido
tradicional, segundo Perniola, está completamente deslegitimado, é uma
antiguidade ou, em alguns casos, é uma curiosidade, alguém que vem dizer o espetacular, para que se mantenha a sensação de que tudo corre bem, de que tudo é bem vindo. A
Galeria Saatchi será o ponto para o perorar decisivo sobre o tema da arte que
legitima e valora qualquer coisa e que não estabelece critérios de controle, e
que não gera outra coisa além de uma espécie de continuidade como se estivesse pedalando
por ali abaixo, sem freio.
No
capítulo seguinte, Perniola começa a falar da Bienal de Veneza do ano de 2013
com curadoria da Massimiliano Gioni, intitulada “O Palácio enciclopédico”, e
como supõe uma interessante, neste caso, desestabilização do mundo da arte e,
sobretudo, como tenta colocar através um projeto curatorial em forma
de crítica de arte e coloca-nos uma reflexão sobre que papel pode ter
hoje a teoria e, incluso, a filosofia, no mundo da internet, no mundo das Redes
e da Enciclopédia colaborativa da Wikipédia, analisa, com enorme atenção, o
arranque dessa preocupação pela enciclopeidade e retoma a obra do diletante
italo-americano Marino Aurati, e como coloca através das distintas obras que
apresenta a exposição uma intensa, e extensa, reflexão sobre a arte incluindo
as margens, as periferias, às vezes com enclaves como a arte psicoterapêutica e
as análises psicanalíticas de Carl Jung, as incursões esotéricas de Rubin Steiner, as posições visionárias de
Aleister Crowley e também, podemos dizer, essa relação entre a Outsider Art e
aquilo que são as experiências desmaterializadoras do concetual, do minimal e
do global art. Considera Perniola que esta exposição é tremendamente importante
que tem uma profunda carga antropológica que nos coloca essa didática de como
superar o espetacular num âmbito de tão curto espetacular como é a própria
bienalização, e como se pode ir para além de uma arte anedótica ou de uma arte
de caráter meramente lúdico, uma espécie de estética da ludicidade, propõe-se
também analisar correntes pontuais e aspetos específicos da arte contemporânea
como o que se chama “o realismo histérico”, essa espécie de mutação do realismo
e do naturalismo, tanto a partir da “body art” como em certas formas de
realismo crítico ou também analisando o que aconteceu com a performance e com a crítica das formas da teatralização, vai revendo as obras que se apresentam na exposição , prestando atenção, por exemplo, à questão do pós-estúdio e, sobretudo, posições como a de Bruce Nauman quando afirma: "não estou vinculado ao estúdio, mas prendo-me a qualquer coisa que possa ser arte" e, neste sentido, a arte é mais uma atividade do que um produto, e vai analisando quais seriam os aspetos do ato institucional da arte - e não seria a ideia de que a arte totalmente identificada com a vida do artista nos levaria a prescindir de produzir obras e levar-nos-ia a um retorno do Romantismo para os nossos dias?, esta reflexão sobre o retorno do Romantismo é algo que, em outros livros, Mario Perniola já havia colocado e que aqui deixa como interessante hipótese.
O segundo ponto que lhe interessa é que para uma coleção ser credível, não só deve ser homogénea, mas também tem de explicitar as razões epistemológicas que gera e articula tal coleção; frente ao formalismo burocrático do pós-concetual o que lhe interessa é refletir sobre o sistema de ordenação, aquilo a que chamaríamos a ordem do discurso
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