Contradição
Se me fazia bem amar-te?
Não sei...
Era como um poema
em diferido
um cântico de cores
apunhalado
pela voz.
Às vezes chegava
como rumor de chuva
cadenciada
ou aroma intenso
de goivos ao anoitecer
mas tão ausente
das coordenadas palpáveis
onde os corpos se moviam
que ainda fico a pensar:
seria bom amar-te
assim sem referências
sem traçado de rotas?
Não sei...
Só releio as reticências
no perfil do afago
um perfil de rosto errante
entre mãos
e pele despida
ávida da espada das águas
antes da luz do alvorecer.
E tenho na cabeça
as grades da prisão
dos teus dedos
pintadas por um sol
de abismos quentes
a desmesura do querer
em franjas de contradição.
Se me fazia bem amar-te?
Não
não
não
nunca faria...
Então porque te amava
desde o som da voz
até ao infinito
do meu peito?
Seria só impressão
como um castelo
esfumado na paisagem...
Maria Heleva Ventura. Quando o Silêncio Falar. Rio Tinto: Mosaico de Palavras Editora, 2023, pp 24-25-
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Nota
A Foto 2 mostra o texto da contracapa deste livro.
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