(...) Lourenço sentiu-se abrasado, contar como matara o motorista excitava-o, revelou uma mentira, disse-lhe que ele confessara aonde tinham ido, o que tinham feito, como tinham feito, não entrava em pormenores, extremou a mentira, gozou contigo, disse que há muito tempo não tinha uma mulher tão carecida, d. Consolação dirigiu-se-lhe, revoltada, deu-lhe uma bofetada, d. Consolação começou a chorar, Lourenço desapertou o cinto, desprendeu os botões da braguilha e forçou-a a colar a cara ao membro descomunal, do tamanho do rosto de d. Consolação, as cuecas cheiravam a mijo, d. Consolação enojou-se, golfou uma aguadilha, cuspo espesso, a garganta bolçava (...) Lourenço queria humilhá-la, ao mais íntimo do pudor católico, até às lágrimas, rasgar-lhe a vergonha, não imaginava que essa tarde d. Consolação brincara com a língua na glande do pénis do motorista, desejava preparar-se para, em futuros encontros, o chuchar consoladamente, dar um infinito prazer ao seu amor, como lhe chamava, ele poderia fazer com ela o que quisesse, era essa a prova do amor, amor desnudo (...) ele tinha de deixá-la em casa, ficaria para outro encontro, veio todo o caminho sentada no banco da frente, com a mão esquerda sobre a braguilha do motorista, roçando a fazenda das calças até ele, tresloucado, parar o carro na berma e depositar-lhe as duas mãos sobre o pénis, ela ria-se como uma menina enquanto, curiosa, lhe olhava as caretas que ele remedava enquanto se vinha.
Presa pelo punho, d. Consolação foi obrigada a encostar a cara ao pénis do marido, um cheiro fedorento a urina agoniou-a fisicamente (...) um homem que assim força a esposa não é marido, é um embusteiro, um pervertido, d. Consolação percebeu que o motorista nada confessara, a sua personalidade não o permitia, homem de pundonor, não um farrapo como aquele Lourençozito, percebeu igualmente por uma frase solta - sofres na tua honra o que o teu amante sofreu na carne - que ele, o amante, já não estava vivo, uma cólera indómita, maior do que o peito que a albergava, uma cólera transformada em raiva assassina tomou conta de d. Consolação, não foi premeditada (...) d. Consolação, com o polegar e o indicador de uma mão tapou as narinas, para que o cheiro do mijo imundo a não agoniasse, entreabriu os lábios trementes dispostos a receber o cume cónico esponjoso do pénis de Lourenço, o rebotalho da humanidade, o refugo dos maridos, a ralé dos esposos, Lourenço empurrou o pénis para a boca da esposa, esta abriu ao máximo os lábios, como se o acolhesse de boa vontade, e, num instante, um segundo maior do que as 24 horas do dia, trincou-o com a máxima força possível, mordeu-o com o prazer do leão a esgarçar a carne da gazela, prazer tão excelso que, sem o querer nem esperar, sentiu líquidos vaginais a irromperem pela vulva, e mordeu de novo, e uma terceira vez, as mandíbulas como hastes de uma tenaz, os maxilares sólidos como as queixadas de um crocodilo, incisivos, caninos e molares numa força única, uma só direcção, um só ímpeto. Um líquido quente correu na língua de d. Consolação, encheu-lhe a boca, aflorou a garganta, Lourenço urrava como um urso encurralado, d. Consolação cuspiu o sangue, jogou-se para o tapete do quarto, rastejando, Lourenço, as calças em baixo, cuecas a meio das coxas, agarrado ao pénis ensanguentado...
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Real, Miguel. Cadáveres às Costas. Alfragide: Publicações D. Quixote, 2018, pp 443-445.
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