A Problemática da Liberdade em Jean-Paul Sartre
1 - Introdução.
2 - A Teoria da Liberdade: Primeiras Formulações
2.1. - Consciência, Ação e Liberdade
2.2. - Escolha e Projeto
2-3. - A Situação
2.3.1 - Situação e Angústia
2.3.2 - Trabalho e determinismo da Matéria
2.3.3 - Alienação e Responsabilidade
3 - Rearranjo na Teoria da Liberdade
3.1. - Da Liberdade Metafísica à Liberdade Socialista
3.2. - A Dimensão Utópica
4 - Liberdade e História
4.1. - "Os Comunistas e a Paz"
4.2. - Radicalismo: o Movimento Ininterrupto
5 - Conclusão.
1 - Introdução
Na Filosofia de Sartre, e do princípio ao fim, a Liberdade estabelece uma relação dialógica com a consciência, são duas faces de uma mesma medalha. Assim, tentar-se-á - e seguindo de perto os textos da quarta parte de L'être et le néant - caracterizar aquilo a que se poderá chamar a primeira fase da Teoria da Liberdade, para, num segundo momento, se tentar ver que essa Teoria acabará por enveredar por um caminho outro, bastante patente nas obras de Sartre, sobretudo após os incidentes do Maio de 68. Convém, contudo, enfatizar o facto de se estar perante um dos maiores filósofos do séc. XX, que foi igualmente uma figura polémica e em torno da qual os olhares se diversificaram, tentar-se-ã, portanto, um não afastamento dos próprios textos do autor.
2 - A Teoria da Liberdade: Primeiras Formulações
2.1. - Consciência, Ação e Liberdade
Existe como pressuposto desta teoria a indissociabilidade da ação com a consciência: qualquer ação é, por princípio, intencional! Desde a conceção do ato, a consciência pode-se retirar da opacidade do mundo do qual é consciência e abordar o terreno do não-ser, nesse recuo constatamos que essa ação implica necessariamente como sua condição uma falta objetiva ou uma négatité (1). Em seguida há o retorno "(...) sobre a situação presente para a esclarecer à luz desse nada e para a nadificar por sua vez dizendo..." (2) algo sobre ela. Há, portanto, um esquema de dupla nadificação:
1º um estado ideal é tomado como puro nada presente;
2º a situação atual é tomada como nada em relação a esse estado de coisas
Assim, podemos dizer que "(...) só há aqui um estado de facto - satisfatório ou não - pela poetência nadificante da consciência" (3): um estado qualquer é incapaz de motivar um outro e, por sua vez, um estado não pode determinar a consciência a apreendê-lo como falta ou négalité. Portanto, vemos a dependência da ação em relação à consciência, que tem o poder de valorar à luz dum não ser e dando significação a partir de um projeto de sentido que um dado estado ainda não tem.
Uma vez assente o poder nadificador da consciência, tem de se concluir que a condição da ação é a Liberdade do ser agente: "(...) é o acto que decide dos seus fins (...) o acto é expressão da Liberdade" (4). Mas esta Liberdade não é uma qualidade adicionada à minha natureza, ela é o suporte do meu ser; sendo o homem o seu próprio nada, a consciência terá como forma de ser o nadificar o en-soi, "(...) nestas condições, a Liberdade não é mais que esta nadificação. É por ela que o pour-soi escapa ao seu ser e à sua essência" (5). Concluindo, diremos que a Liberdade faz um com a consciência (6).
2.2. - Escolha e Projeto
Falar de Ação e de Liberdade é falar de Escolha.
Não havendo estados de consciência (puro mito da psicologia!), a vontade, assim como todos os acontecimentos da consciência, têm o seu fundamento numa Liberdade original (o que não quer dizer anterior) e é esta última a condicionante da escolha empreendida pelo homem. O homem escolhendo algo, ou melhor, escolhendo-se a si mesmo, escolhe em função de um projeto que a si se dá e, porque ele é essencialmente Liberdade, essa escolha empreendida só do homem depende, uma vez a divindade completamente suprimida: " Ela (a realidade humana) escolhe-os (aos seus fins) e, por essa escolha, confere-lhe uma existência transcendente como o limite externo dos seus projetos" (7).
Assim, eis apreendidos alguns caracteres desta conceção de Liberdade: em primeiro lugar uma certa gratuidade:
"Orestes - Sou livre, Electra; a liberdade abateu-se sobre mim como um raio" (8)
em segundo lugar, como já foi referido, a supressão da divindade:
"Orestes - Não sou senhor nem escravo, Júpiter. Sou a minha Liberdade: mal me criaste deixei de te pertencer" (9)
e, finalmente, esta Liberdade-estigma do homem é algo ainda preso a um individualismo exacerbado, que acabará conduzindo a um certo pessimismo:
"Orestes - (...) Mas não voltarei a viver sob a tua (de Júpiter) lei; estou condenado a não ter outra lei além da minha" (10).
Recorre-se a estes textos da dramaturgia sartriana para clarificar o que tem sido disto através da linguagem mais intelectualizada do L'être et le néant , no entanto, e apesar do distanciamento em relação ao Determinismo e à Liberdade de Indiferença (11), poder-se-á perguntar, até que ponto Sartre, nesta primeira fase da sua teoria, não cai ele também neste mesmo tipo de Liberdade, apesar de toda a sua argumentação.
Esta escolha de mim, por mim, não corresponde a qualquer elaboração de uma consciência analítica e diferenciada, já que o meu projeto último e, simultâneamente inicial, "é (...) sempre o esboço duma solução ao problema de ser" (12). Escolhermo-nos é fazer que um futuro nos venha anunciar o que somos, dando sentido ao nosso passado, contudo, essa nossa escolha está permanentemente ameaçada, nós podemos a cada momento escolher-nos "outros daquilo que somos" (13). Assim, a nossa capacidade de escolha é infindável, ela encontra um único limite - a Liberdade. Mas, a nossa Liberdade sendo inanalizável e incondicionada, remete-nos para um escolher ininterrupto, onde todas essas escolhas não são gratuitas, inserindo-se elas antes "na unidade do meu projeto fundamental" (14).
2.3. - A Situação
2.3.1. - Situação e Angústia
A angústia manifesta à nossa consciência a nossa Liberdade, ela é o testemunho dessa modificabilidade perpétua do nosso projeto inicial. Na angústia aprendemos que:
1º os possíveis que nos projetamos são perseguidos pela nossa Liberdade;
2º nos apreendemos como injustificáveis, ou seja, a nossa escolha como apenas de nós dependendo.
Sendo a minha escolha inicial injustificável e contingente daí decorre a minha angústia; " (...) o medo que tenho de ser subitamente exorcisado, quer dizer, de me tornar radicalmente outro..." (15).
Mas, falar também de Liberdade é falar de situação, que mais não é do que um produto da contingência do en-soi e da Liberdade; é um fenómeno ambíguo no qual é impossível à consciência discernir a quota parte da Liberdade e do existente bruto; ela é "(...) a livre coordenação e livre qualificação dum dado bruto que não se deixa qualificar não importa como" (16). Concluindo, diremos que é pelo livre surgir de uma Liberdade que o mundo desenvolve e revela resistências para o fim projetado não se realizar; é porque é livre que o homem encontra resistências, portanto, a Liberdade será sempre uma Liberdade situada.
2 - A Teoria da Liberdade: Primeiras Formulações
2.1. - Consciência, Ação e Liberdade
Existe como pressuposto desta teoria a indissociabilidade da ação com a consciência: qualquer ação é, por princípio, intencional! Desde a conceção do ato, a consciência pode-se retirar da opacidade do mundo do qual é consciência e abordar o terreno do não-ser, nesse recuo constatamos que essa ação implica necessariamente como sua condição uma falta objetiva ou uma négatité (1). Em seguida há o retorno "(...) sobre a situação presente para a esclarecer à luz desse nada e para a nadificar por sua vez dizendo..." (2) algo sobre ela. Há, portanto, um esquema de dupla nadificação:
1º um estado ideal é tomado como puro nada presente;
2º a situação atual é tomada como nada em relação a esse estado de coisas
Assim, podemos dizer que "(...) só há aqui um estado de facto - satisfatório ou não - pela poetência nadificante da consciência" (3): um estado qualquer é incapaz de motivar um outro e, por sua vez, um estado não pode determinar a consciência a apreendê-lo como falta ou négalité. Portanto, vemos a dependência da ação em relação à consciência, que tem o poder de valorar à luz dum não ser e dando significação a partir de um projeto de sentido que um dado estado ainda não tem.
Uma vez assente o poder nadificador da consciência, tem de se concluir que a condição da ação é a Liberdade do ser agente: "(...) é o acto que decide dos seus fins (...) o acto é expressão da Liberdade" (4). Mas esta Liberdade não é uma qualidade adicionada à minha natureza, ela é o suporte do meu ser; sendo o homem o seu próprio nada, a consciência terá como forma de ser o nadificar o en-soi, "(...) nestas condições, a Liberdade não é mais que esta nadificação. É por ela que o pour-soi escapa ao seu ser e à sua essência" (5). Concluindo, diremos que a Liberdade faz um com a consciência (6).
2.2. - Escolha e Projeto
Falar de Ação e de Liberdade é falar de Escolha.
Não havendo estados de consciência (puro mito da psicologia!), a vontade, assim como todos os acontecimentos da consciência, têm o seu fundamento numa Liberdade original (o que não quer dizer anterior) e é esta última a condicionante da escolha empreendida pelo homem. O homem escolhendo algo, ou melhor, escolhendo-se a si mesmo, escolhe em função de um projeto que a si se dá e, porque ele é essencialmente Liberdade, essa escolha empreendida só do homem depende, uma vez a divindade completamente suprimida: " Ela (a realidade humana) escolhe-os (aos seus fins) e, por essa escolha, confere-lhe uma existência transcendente como o limite externo dos seus projetos" (7).
Assim, eis apreendidos alguns caracteres desta conceção de Liberdade: em primeiro lugar uma certa gratuidade:
"Orestes - Sou livre, Electra; a liberdade abateu-se sobre mim como um raio" (8)
em segundo lugar, como já foi referido, a supressão da divindade:
"Orestes - Não sou senhor nem escravo, Júpiter. Sou a minha Liberdade: mal me criaste deixei de te pertencer" (9)
e, finalmente, esta Liberdade-estigma do homem é algo ainda preso a um individualismo exacerbado, que acabará conduzindo a um certo pessimismo:
"Orestes - (...) Mas não voltarei a viver sob a tua (de Júpiter) lei; estou condenado a não ter outra lei além da minha" (10).
Recorre-se a estes textos da dramaturgia sartriana para clarificar o que tem sido disto através da linguagem mais intelectualizada do L'être et le néant , no entanto, e apesar do distanciamento em relação ao Determinismo e à Liberdade de Indiferença (11), poder-se-á perguntar, até que ponto Sartre, nesta primeira fase da sua teoria, não cai ele também neste mesmo tipo de Liberdade, apesar de toda a sua argumentação.
Esta escolha de mim, por mim, não corresponde a qualquer elaboração de uma consciência analítica e diferenciada, já que o meu projeto último e, simultâneamente inicial, "é (...) sempre o esboço duma solução ao problema de ser" (12). Escolhermo-nos é fazer que um futuro nos venha anunciar o que somos, dando sentido ao nosso passado, contudo, essa nossa escolha está permanentemente ameaçada, nós podemos a cada momento escolher-nos "outros daquilo que somos" (13). Assim, a nossa capacidade de escolha é infindável, ela encontra um único limite - a Liberdade. Mas, a nossa Liberdade sendo inanalizável e incondicionada, remete-nos para um escolher ininterrupto, onde todas essas escolhas não são gratuitas, inserindo-se elas antes "na unidade do meu projeto fundamental" (14).
2.3. - A Situação
2.3.1. - Situação e Angústia
A angústia manifesta à nossa consciência a nossa Liberdade, ela é o testemunho dessa modificabilidade perpétua do nosso projeto inicial. Na angústia aprendemos que:
1º os possíveis que nos projetamos são perseguidos pela nossa Liberdade;
2º nos apreendemos como injustificáveis, ou seja, a nossa escolha como apenas de nós dependendo.
Sendo a minha escolha inicial injustificável e contingente daí decorre a minha angústia; " (...) o medo que tenho de ser subitamente exorcisado, quer dizer, de me tornar radicalmente outro..." (15).
Mas, falar também de Liberdade é falar de situação, que mais não é do que um produto da contingência do en-soi e da Liberdade; é um fenómeno ambíguo no qual é impossível à consciência discernir a quota parte da Liberdade e do existente bruto; ela é "(...) a livre coordenação e livre qualificação dum dado bruto que não se deixa qualificar não importa como" (16). Concluindo, diremos que é pelo livre surgir de uma Liberdade que o mundo desenvolve e revela resistências para o fim projetado não se realizar; é porque é livre que o homem encontra resistências, portanto, a Liberdade será sempre uma Liberdade situada.
A situação comporta em si estruturas diversas:
Situação:
Local - (é pelo homem que o local vem ao mundo);
Passado - (o que sou, tenho-o a ser sob o modo do já-ter-sido, ou seja, não me posso conceber sem passado);
Contornos - (são as coisas utensílios que me cercam);
O Próximo - (17)
Morte - (a morte é termo bifronte e, no que diz respeito à minha morte eu posso sempre iludi-la, sou responsável por ela!)
2.3.2 - Trabalho e Determinismo da Matéria
Uma vez definida a Situação e caraterizadas as suas estruturas fundamentais, cabe agora a explicitação da articulação Liberdade/ Trabalho, para, finalmente, se poder passar ao conceito de Alienação.
A possibilidade de me afastar da minha situação para sobre ela emitir um dado ponto de vista, é isso também uma das caraterísticas da Liberdade. Mas, para tal, tenho de me subtrair a qualquer tipo de determinismo,
Situação:
Local - (é pelo homem que o local vem ao mundo);
Passado - (o que sou, tenho-o a ser sob o modo do já-ter-sido, ou seja, não me posso conceber sem passado);
Contornos - (são as coisas utensílios que me cercam);
O Próximo - (17)
Morte - (a morte é termo bifronte e, no que diz respeito à minha morte eu posso sempre iludi-la, sou responsável por ela!)
2.3.2 - Trabalho e Determinismo da Matéria
Uma vez definida a Situação e caraterizadas as suas estruturas fundamentais, cabe agora a explicitação da articulação Liberdade/ Trabalho, para, finalmente, se poder passar ao conceito de Alienação.
A possibilidade de me afastar da minha situação para sobre ela emitir um dado ponto de vista, é isso também uma das caraterísticas da Liberdade. Mas, para tal, tenho de me subtrair a qualquer tipo de determinismo,
.
.
.
.
.
Notas
(1) Poder-se-á traduzir como o resultado de um processo de nadificação.
(2) Jean-Paul Sartre. L'être et le néant, essai d'ontologie phénoménologique. Paris: TelGallimard, 1979, p 489.
(3) In L'être et le néant, p 490.
(4) Idem, p 492.
(5) Idem, p 494.
(6) Cf. L'être et le néant, p 508.
(7) In L'être et le néant, p 498.
(8) Jean-Paul Sartre. As Moscas. Lisboa, Ed. Presença, 1979, p 134.
(9) In As Moscas, p 165.
(10) Idem, p 167.
(11) Cf. L'être et le néant, pp 490-491.
(12) In L'être et le néant, p 518.
(13) Idem, p 520.
(14) Idem, p 526.
(15) Idem, p 532.
(16) Idem, p 544.
(17) Cf. L'être et le néant, p 569: "(...) a presença do outro, faz que (...) não possa ser deduzido da estrutura ontológica do pour-soi".
.
(1) Poder-se-á traduzir como o resultado de um processo de nadificação.
(2) Jean-Paul Sartre. L'être et le néant, essai d'ontologie phénoménologique. Paris: TelGallimard, 1979, p 489.
(3) In L'être et le néant, p 490.
(4) Idem, p 492.
(5) Idem, p 494.
(6) Cf. L'être et le néant, p 508.
(7) In L'être et le néant, p 498.
(8) Jean-Paul Sartre. As Moscas. Lisboa, Ed. Presença, 1979, p 134.
(9) In As Moscas, p 165.
(10) Idem, p 167.
(11) Cf. L'être et le néant, pp 490-491.
(12) In L'être et le néant, p 518.
(13) Idem, p 520.
(14) Idem, p 526.
(15) Idem, p 532.
(16) Idem, p 544.
(17) Cf. L'être et le néant, p 569: "(...) a presença do outro, faz que (...) não possa ser deduzido da estrutura ontológica do pour-soi".
.
.
(Post em construção)