terça-feira, 1 de outubro de 2019


   Estendido na pequena cama, fora do halo de luz do candelabro a petróleo, enquanto fantasiava sobre a sua própria vida, Giovanni Drogo foi inesperadamente tomado pelo sono. No entanto, precisamente naquela noite - oh, se tivesse sabido talvez não tivesse tido vontade de dormir -, naquela mesma noite começava para ele a irremediável fuga do tempo.
   Até então avançara pela despreocupada idade da primeira juventude, uma estrada que às crianças parece infinita, pela qual os anos passam devagar e com passos suaves, de tal forma que ninguém os sente partir. (...) então o coração começa a bater de desejos heróicos e afectuosos, saboreia-se a expectativa das coisas maravilhosas que nos esperam mais adiante; não, ainda não se avistam, mas é certo, absolutamente certo, que um dia lá chegaremos.
(...) Assim se prossegue o caminho numa espera confiante, e os dias são longos e tranquilos, o Sol brilha alto no céu e parece que não tem mais vontade de descer ao entardecer.
   Mas a uma determinada altura, quase instintivamente, voltamo-nos para trás e vemos que uma cancela se fechou nas nossas costas, obstruindo o caminho de regresso. Então sentimos que alguma coisa mudou, o Sol já não parece imóvel, mas desloca-se rapidamente, ai de nós, nem temos tempo de o fixar (...): compreendemos que o tempo passa e que também a estrada um dia chegará ao fim (...) Mas Giovani Drogo naquele momento dormia alheado e sorria no sono como fazem as crianças.
   Passarão dias até que Drogo perceba o que aconteceu. Então será como um despertar. Olhará em seu redor, incrédulo...


 Buzzati, Dino. O Deserto dos Tártaros. Barcarena: Marcador Editora, 2014, pp 52-54.
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