quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
O Sonho de um Verão
O incessante acorde das ondas
num qualquer lugar do mundo,
onde tudo é mais fácil e a brisa
da noite nos envolve.
Os risos, os amigos, o sereno
rumor da história
quando, descendo a encosta,
sentimos a areia em nossos pés.
A vida era tão-só
o calor e uma casa à beira-mar.
E era outra vida aquela que vivíamos
nos meses d'inverno,
onde o amanhã não era ontem para sempre
e o tempo ia impondo
o seu implacável exílio da vida.
Por isso decidimos o exílio,
mas um outro mais simples e benévolo,
em essência mais nosso, podermos ser,
num instante, nós mesmos para sempre.
Compreendemo-lo de imediato,
nós escapámos da ruína
mas outros, nem sempre dos nossos,
tiveram de esperar na estação,
no cais, sem casa, sem trabalho,
implorando ao menos um lugar
ou um prato vazio
onde extinguir-se ou extinguir suas penas.
A viagem salvou-nos,
foi suficiente, e regressámos todos
inteiramente felizes.
No último dia, uma folha caiu
de uma árvore do jardim
e suspirámos com o olhar colado
na enseada e no molhe.
Depois abalámos seguros
de que a realidade supera o sonho
e não podemos escapar continuamente
à sua implacável visão,
à visão brutal de uma miséria
que jamais conheceremos.
Escapámos - soube-o então!- convencidos
de que o mundo é perfeito
num outro lugar do mundo.
Vega, Mario. La mala conciencia. Madrid: Hiperión, 2019, pp 18-19 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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