O passado pode ser ou não um país estrangeiro. Pode se transformar ou permanecer o mesmo, mas sua capital vai ser o Arrependimento, e o que flui ao longo dela é um canal de desejos não concretizados que correm em direção a um arquipélago de pequenas possibilidades que nunca aconteceram de verdade, mas não são irreais por não terem acontecido e talvez ainda possam acontecer embora tenhamos medo de que nunca aconteçam. E pensei no Velho Inglês guardando tantas coisas, como todos guardamos quando olhamos para trás e vemos que as estradas que abandonamos ou que não pegamos desapareceram. O arrependimento é o modo como esperamos voltar para nossas vidas reais assim que encontramos a determinação, o impulso cego e a coragem de trocar a vida que nos foi dada pela vida que tem nosso nome e nenhum outro. O arrependimento é o modo como ansiamos por coisas que perdemos, mas nunca tivemos de verdade. O arrependimento é a esperança sem convicção, eu disse. Estamos divididos entre o arrependimento, que é o preço que pagamos pelas coisas que não fizemos, e o remorso, que é o preço que pagamos por fazê-las. Entre um e outro, o tempo se diverte com seus convidativos truques.
- Os gregos nunca tiveram um deus do arrependimento - observou o marido de modo imperioso, para se exibir ou desviar uma conversa que claramente não era só sobre o Velho Inglês.
- Os gregos eram brilhantes. Usavam uma única palavra tanto para o arrependimento quanto para o remorso. Como Maquiavel.
(...) Quando saímos do restaurante, ela e eu caminhamos na frente juntos, enquanto Manfred e o marido seguiam atrás.
- Mas você está feliz? - perguntei.
(...)
- Porque meu coração está acelerado agora e faz tempo. Todos aqueles anos, e isso não vai embora - confessei.
Comecei a lembrar as palavras dela sobre amar alguém sem estar apaixonado (...) E, quanto mais eu pensava nisso, mais me rasgava por dentro. Perdemos anos de nossas vidas, eu queria dizer. Então disse.
- Perdemos anos de nossas vidas... estamos vivendo a vida errada, você e eu. Tudo em nós está errado.
- Isso não é justo. Nunca estivemos errados. Você e eu somos a única coisa certa em nossa vida... todo o restante é que está errado.
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Aciman, André. Variações Enigma. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2018, pp 240-243.
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