A criança, frente a uma mãe que lhe surge como maravilhosa, grandiosa, sabendo tudo, capaz de tudo prever ou tendo um comportamento demasiado atencioso, corre o risco de construir uma inquietação específica relativamente à sua condição infantil, é a posição daquele que não está ainda concluído, então a função materna coloca a mãe numa posição de objeto omnipotente.
Uma má mãe pode assumir papeis diferenciados. Semelhante à fada Carabosse, ela lançará um mau olhado sobre a criança tornando-a dependente dela, indo mesmo para além dos pedidos da criança antes mesmo que ela os tenha manifestado, o que faz com que ela nunca chegue a saber aquilo que quer ou sente na realidade. Ora, todos nós temos necessidade, para nos construirmos, de abandonar o imediato que nos satisfaz, de conseguir distanciamento relativamente ao objeto. Separar-se da sua mãe equivale a abandonar a satisfação imediata e renunciar ao prazer que agrada para poder encontrar a via do seu próprio desejo, pois o aparelho psíquico precisa de se desenvolver e de diferir a satisfação.
Essa mãe, que se coloca de imediato no lugar do seu filho e que julga saber - antes mesmo dele - aquilo de que ele tem necessidade, pratica uma espécie de engorda não permitindo uma boa diferenciação do estado oral (1). Por essa razão, o seu filho terá dificuldade em exprimir as suas necessidades, em distingui-las das pretensões dela e não conseguirá saber onde se situa o seu próprio desejo. Esta mãe má por excesso que acabo de descrever é uma mãe tóxica: ao tornar-se indispensável, intoxica o seu filho impedindo-o de crescer.(...) O pai nesta díade fusional mãe-filho não consegue o seu lugar, não tem mesmo lugar. Só existem ela e o filho.(...) Podemos ver nesta situação a origem de numerosas depressões chamadas anaclíticas e sobretudo de múltiplas toxicodependências ou farmacodependências - cujo desenvolvimento é considerável na nossa época - que acabam chamando a atenção para o facto de que a criança não pode adquirir a sua autonomia de homem.
(...) Hoje, é o ciclo do desenvolvimento desestruturado que aumenta: perturbações da personalidade, perturbações identitárias e do comportamento, dependências, personalidade frágil ou procura desenfreada do prazer por incapacidade de se ter distanciado da mãe e integrado a perda e o desmame como estruturantes, daí o número considerável dos estados limite, mas também o incremento da rigidez perversa ou da paranoia (...). Daí também as passagens ao ato agressivo, à delinquência, à depressão e sobretudo às toxicodependências que conhecem hoje um aumento considerável.
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(1) O Estado Oral é o 1º Estádio do desenvolvimento do Aparelho Psíquico segundo Freud (N.T.).
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Barbier, Dominique. La fabrique de l' homme pervers. Paris: Odile Jacob, 2017, pp 165-171 (Tradução de Victor Oliveira Mateus.)