quinta-feira, 17 de junho de 2021


                      Encruzilhada


Corpo meu, agora que não viajaremos juntos por muito mais tempo,
começo a sentir por ti uma renovada ternura, muito crua e
desconhecida,
como aquilo que recordo do amor quando era jovem -

um amor que tantas vezes foi tolo nos seus objetivos,
mas nunca nas suas escolhas, nos seus ardores.
Demasiado exigido à partida, demasiado o que não pôde ser prometido -

A minha alma tem sido tão temerosa, tão violenta:
perdoa a sua brutalidade.
Como se fosse essa alma, a minha mão desliza cautelosa por ti,

não querendo ofender,
embora ansiosa, enfim, por conseguir expressar-se enquanto substância:

não é da Terra que irei sentir falta,
é de ti que irei sentir falta.


 Louise Gluck. Uma vida de Aldeia. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2021, p 137 (Tradução de Frederico Pedreira).
.
.
.