segunda-feira, 26 de julho de 2021


Quando ele se aproximou, puxou-me contra si e abraçou-me finalmente. Incapaz de reagir, mordi com força as palavras que tinha para lhe dizer. Quanto mais ele me apertava, mais elas se atropelavam para me entupirem a boca como amargos que restavam das minhas desilusões. Tola. Julgava eu que aprendera a não fraquejar à primeira; que a minha pele calejada, espessada pelo tempo e pelos golpes sofridos, saíra mais resistente do que uma couraça de vidro capaz de se estilhaçar ao primeiro sinal de mimo.
- Por onde tens andado? - perguntei-lhe com meiguice. - Fizeste-me tanta falta.
Ele riu-se como um garoto e, no seu modo atrapalhado, libertou-se do abraço. Depois, deu um passo atrás para me mirar de alto a baixo, mas, claro, era Peppino, e, ao reparar nos meus olhos, fez logo a leitura.
(...)
Podia ser tudo verdade, mas não tive qualquer dúvida de que a razão principal só tinha que ver comigo. Depois, lá me contou que passara em Pitigliano não havia muito tempo e fora aí que soubera onde me podia encontrar. Queria ver com os próprios olhos o que era feito de mim...
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 João Pinto Coelho. Um tempo a fingir. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2020, pp 340-341.
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