(Excerto do monólogo ficcionado do escultor Miguel Ângelo para o seu jovem modelo Gherardo Perini):
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.Se fosses meu filho, Gherardo, eu não te amaria mais, mas não teria que perguntar-te porquê. Toda a minha vida procurei respostas a perguntas que talvez não tenham resposta (...)
Assim, tu partes. Na minha idade já não se dá importância a uma separação, mesmo que definitiva. Eu bem sei que os seres que amamos e que nos amam mais se vão separando insensivelmente de nós a cada momento que passa. É também deste modo que se vão separando de si próprios. (...) É certo que compreendo que tudo isto é ilusão, como o resto, e que o futuro não existe. Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando (...)
O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. (...) Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo.
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Marguerite Yourcenar. O Tempo Esse Grande Escultor. Miraflores: Difel, 2001, pp 18-19 (Tradução de Helena Vaz da Silva).
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