Como tem mudado o tom desta narrativa! Perco as rédeas dos meus nervos. A unidade do que somos - é tão fácil perdê-la! Dá-me a ideia de que me pegaram pela mão, arrastando-me para uma feira alucinante de surpresas. Quem entra na roda, subindo, descendo e cabriolando sem o querer, só poderá parar, recuperar-se, quando a roda parar também. E a desconexão dos factos? Sinto-a, mesmo sem a ir averiguar no que aí fica escrito. As vozes da coerência ensurdecem nestas malhas de neblina, ficam só audíveis os gritos.
Mas tudo deve ser da noite. À hora em que vos escrevo, as lâmpadas adormecem nas esquinas, penduradas, como enforcados, da névoa ribeirinha. Ainda pensei em percorrer as ruas - fugindo de mim. Hoje, porém, seria inútil. Prefiro, daí, continuar amanhã. Amanhã é dia.
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Fernando Namora. domingo à tarde. Lisboa: TV Guia Editora, 1996, p 150.
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