Livro I: 1 / 1094 a 1 – 1095 a 12(O bem e a atividade humana. A hierarquia dos bens).
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“Toda
a arte e toda a investigação, e paralelamente toda a ação e toda a escolha
tendem para um qualquer bem., ao que parece. Também se tem afirmado, com razão,
que o Bem é aquilo para que todas as coisas tendem.
Mas
observa-se, de facto, uma certa diferença entre os fins: uns consistem em
atividades, e os outros em certas obras, distintas das próprias atividades. E
aí onde existem certos fins distintos das ações, nesses casos as obras são por
natureza superiores às atividades que os produzem.
Ora,
como há uma multiplicidade de ações, de artes e de ciências, os seus fins são
também múltiplos: assim, a arte médica tem por finalidade a saúde, a arte de
construir os barcos o navio, a arte estratégica a vitória e a arte económica a
riqueza. Mas em todas as artes deste género que relevam de uma única
potencialidade (do mesmo modo, com efeito, que sob a arte hípica caem a arte de
fabricar os freios e todos os outros ofícios que dizem respeito ao
aparelhamento dos cavalos, e que a própria arte hípica e toda a ação que se
relaciona com a guerra caem, por suaa vez, sob a arte estratégica, é por esse mesmo
modo que as outras artes estão subordinadas às outras), em todos estes casos,
podemos dizer, os fins das artes arquitetónicas devem ser preferidos a todos os
das artes subordinadas, já que é em vista dos primeiros fins que perseguimos os
outros. Pouco importa, de resto, que as próprias atividades sejam os fins das
ações, ou que à parte dessas atividades, exista qualquer outra coisa, como no caso
das ciências de que temos falado.
Se,
portanto, há, nas nossas atividades, um qualquer fim que desejemos em
si-próprio, e os outros apenas por causa dele, e se nós não escolhemos
indefinidamente uma coisa em vista de uma outra (pois nesse caso proceder-se-ia
até ao infinito, de tal modo que o desejo seria fútil e vão), torna-se claro
que esse fim não poderia ser mais do que o bem, o Soberano Bem. Não é verdade
que, dado tudo isto, que para a condução da vida, o conhecimento desse bem tem
um grande peso, e que, tal como os arqueiros que têm um alvo sob o olhar, para
a condução da vida, o conhecimento desse bem é de um grande peso, e que, iguais
aos arqueiros que têm um alvo sob o olhar, nós poderemos, mais facilmente
atingir o objetivo que convém? Se assim é, nós devemos tentar, mais ou menos
nas suas grandes linhas, a natureza do Soberano Bem, e dizer de que ciência particular
ou de qual potencialidade ele releva. Ser-se-á de opinião que ele depende da
ciência suprema e arquitetónica por excelência. Ora, uma tal ciência é manifestamente
a Política, pois é ela que dispõe quais são entre as ciências aquelas que são
necessárias nas cidades, e quais os tipos de ciências que cada classe de
cidadãos deve aprender, e até que ponto o estudo lhes será exigido; e veremos
ainda que mesmo as potencialidades mais apreciadas estão subordinadas à Política:
por exemplo a estratégia, o económico, a retórica. E já que a Política se serve
das outras ciências práticas e que, por outro lado, ela legisla sobre o que é
preciso fazer e sobre aquilo de que nos devemos abster, o fim desta ciência
englobará os fins das outras ciências; de onde resulta que o fim da Política
será o bem propriamente humano. Mesmo se, com efeito, há aí identidade entre o
bem do indivíduo e o da cidade, de todo o modo é uma tarefa manifestamente mais
importante e mais perfeita de apreender e de salvaguardar o bem da cidade: já
que o bem é seguramente amável mesmo por um indivíduo isolado, mas ele é mais
belo e mais divino aplicado a uma nação ou às cidades.
Eis,
portanto, os objetivos da nossa investigação, que constitui uma forma de
política.
Nós
teremos cumprido suficientemente a nossa tarefa se tivermos dado os
esclarecimentos que comporta a natureza do tema que tratamos, pois, com efeito,
não se deve pretender o mesmo rigor em todas os debates indiferentemente, não
mais do que o que se exige nas produções da arte. As coisas belas e as coisas
justas que são o objeto da Política, dão lugar a tais divergências e a tais
incertezas que se pode crer que elas existem apenas por convenção e não por
natureza. Uma incerteza semelhante apresenta-se também no caso dos bens da vida,
em virtude dos danos que dela frequentemente provêm: já se viu, com efeito,
pessoas perecerem pela sua riqueza, e outras perecerem pela sua coragem.
Devemos, portanto, contentarmo-nos, quando se trata de semelhantes assuntos e
partindo de semelhantes princípios, de mostrar a verdade de um modo
aproximativo e em bruto; e quando se fala coisas assumidamente seguras e quando
se parte de princípios assumidamente seguros, não se pode alcançar senão
conclusões do mesmo tipo. É neste mesmo espírito, desde logo, que deverão ser
acolhidas as diversas perspetivas que formulamos: porque é de um homem culto
não procurar o rigor para cada género de coisas a não ser na medida em que a
natureza do assunto o admita: é evidentemente quase tão insensato aceitar de um
matemático raciocínios prováveis quanto exigir de um mestre de retórica
demonstrações propriamente ditas.
Por
outro lado, cada um julga corretamente naquilo que conhece, e nesse domínio ele
é bom juiz. Assim, portanto, num determinado domínio, ajuíza bem aquele que
recebeu uma educação adequada, enquanto que, numa outra matéria que exclua toda
a especialização, o bom juiz é aquele que recebeu uma cultura geral. Também o
homem jovem não é um auditor adequado às lições de Política, porque ele não tem
nenhuma experiência das coisas da vida, que são, porém, o ponto de partida e o
objeto dos raciocínios dessa ciência. Além do mais, estando inclinado a seguir
as suas paixões, ele não retirará desta atitude nada de útil nem de proveitoso,
já que a Política tem por fim, não o conhecimento, mas a ação. Pouco importa,
de resto, que se seja jovem pela idade ou jovem pelo caráter: a insuficiência a
este respeito não é uma questão de tempo, mas ela é devida ao facto de se viver
ao sabor das suas paixões e que se precipite na perseguição de tudo aquilo que
se vê. Para os irrefletidos desta espécie, o conhecimento não serve para nada,
assim como para os intemperantes; para aqueles, ao contrário, cujos desejos e
os atos são conformes à razão, o saber nestas matérias será para eles de um
grande benefício.
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Aristote. Éthique a Nicomaque. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1979, pp 31-39 (Nouvelle Traduction avec Introduction, Notes et Index de J. Tricot); versão portuguesa de Victor Oliveira Mateus.
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