IDEIAS ESTÉTICAS E DOUTRINAS DA ARTE NOS SÉCULOS XVI E XVII
Adriana Veríssimo Serrão
Introdução: a estética entre metafísica do belo e poética artística
Para poder delinear com precisão o alcance das doutrinas estéticas desenvolvidas por alguns pensadores portugueses dos séculos XVI e XVII, será importante começar por esclarecer a legitimidade da utilização do próprio termo "estética", um neologismo formado pelas exigências internas do racionalismo e que só entrará para o vocabulário filosófico a partir de 1750, na obra homónima de A. G. Baumgarten.
São dois os principais sentidos que se podem distinguir neste início da Modernidade. Um, em que o estético surge elaborado do ponto de vista da metafísica, como reflexão pura sobre a Beleza. Outro, que elege como objecto privilegiado o vasto campo da arte, da sua natureza e função, abarcando uma teoria das diversas artes, com especial relevo para as artes plásticas e, de entre elas, para a pintura. A metafísica do Belo tem uma intenção fundamentadora, é um trabalho de filosofia pura que se desenvolve no plano dos princípios e dos conceitos e no qual a Beleza se apresenta como um valor principal entre as modalidades constitutivas do Ser. A teoria da arte pode assumir igualmente a fundamentação das bases da poiese pura, mas dirige-se preferencialmente à ordem do fazer humano, e em frequentes casos também à aplicação, podendo então definir as regras ou preceitos gerais da execução pragmática da arte.
Há decerto um aspecto comum em que ambas as linhas teóricas concordam. Nesta fase da história do pensamento, estéticas metafísicas e poéticas artísticas defendem explicitamente uma visão predominantemente objectivista. Especula-se sobre ideias, operações e valores, são confrontados obras, estilos e qualidades. Mas não se tematiza como núcleo teórico forte o papel do gosto enquanto expressão do ajuizamento individual. Se o prazer face à beleza é focado, na fruição estética não se manifesta um prazer subjectivo, mas uma atitude de tipo intelectual que depende do conhecimento do conceito normalizador da beleza. Idêntica consideração se deve fazer relativamente à individualidade do artista, que embora comece a ser justificada mediante uma noção de criatividade que vai ganhando contornos cada vez mais nítidos, será por outro lado cerceada por regras que a impedem de se manifestar como exercício de uma liberdade desmedida.
Beleza e Arte são por vezes conjuntamente vistas e mantêm alguns pontos de contacto, mas encontram-se inteiramente dissociadas na generalidade das doutrinas, formando dois núcleos paralelos, sem que entre eles se possa ainda encontrar a unidade de um ponto de vista, muito menos de uma disciplina ou de um sistema integrador. Provêm também interesses diversos, quer porque a teoria pragmática da arte nem sempre reconhece a beleza como seu valor dominante - o valor essencial da arte não é necessariamente a beleza- quer, porque a Beleza, enquanto entidade metafísica, existe em si e por si mesma, é de origem divina ou natural, mas em qualquer dos casos sempre independente do acto humano. Este é aliás um traço que permanece constante desde a reflexão da filosofia antiga, que delimitava com precisão as ordens da theôria e da technè, atravessa a estética medieval, para a qual a beleza é da ordem do ser e do saber verdadeiros e possui uma raiz teológica, cosmológica e gnosiológica, ao passo que o campo da ars se situa no âmbito estritamente humano de um fazer artificial.
Conviria assim remeter, ainda que sucintamente, para a remota inspiração grega da estética renascentista, na triplicidade das doutrinas inaugurais de todo o pensamento estético - a platónica, a aristotélica e a plotiniana -, uma vez que a recuperação e redescoberta da Antiguidade, e também da Antiguidade filosófica, faz reviver em sínteses originais as grandes teorias antigas, ora numa singular convivência sincrética com os princípios do cristianismo ora radicalmente contrastadas e profundamente transformadas pelas novas preocupações do tempo.
A doutrina platónica contém, na sua teoria das Ideias, uma teoria da ideia de Belo, a par de uma reflexão, muitas vezes veemente crítica, sobre a natureza das artes plásticas e da poesia. Estas são associadas ao plano da imagem (eidôlon), a qual assume, face à unidade, verdade e imutabilidade da ideia, o estatuto de plano inferior, caracterizado pelos atributos da multiplicidade, da variabilidade e da falsidade. Numa célebre passagem da República (X, 596b-599a), ao pintor cabe um grau ontológico inferior ao artífice, o possuidor de technè que fabrica os objectos de modo uniforme e repetindo um mesmo modelo ideal. Porque elege como seu modelo coisas do mundo sensível, a pintura parte já da aparência, e intensifica-a, ao introduzir na imitação de perspectiva e inovações estilísticas que acentuam cada vez mais o relativismo inerente a toda a imagem. Por isso, a Beleza, essência una e imutável, pode ser contemplada (Banquete 210e-211d), mas não produzida, pode ser, quando muito, imitada segundo uma modalidade especial de mimèsis que Platão designa de icástica e distingue da arbitrariedade da imitação fantástica (Sofista 235d-236e). A metafísica platónica introduziu como seu prolongamento consequente uma normatividade artística assente na lei da boa imitação, equivalente à cópia (eikôn) que respeita o duplo critério do bom modelo (uno, fixo e constante) e da fidelidade imitativa.
O platonismo - que o Renascimento italiano passa a conhecer a partir das traduções de Platão e Plotino para latim e dos comentários de Marsílio Ficino em obras como a Theologgia platonica (1492) - engloba Platão e Plotino numa fusão indistinta, não obstante serem significativas as respectivas diferenças no que à estética diz respeito. Plotino contribuiu decisivamente para a clivagem entre Beleza inteligível e beleza sensível, exaltando a espiritualidade em detrimento da matéria, e fazendo desta uma realidade absoluta, inteiramente indeterminada, relegada para o plano da pura negatividade. O critério da imitação exterior teria de ser banido, uma vez que o conteúdo espiritual da obra provém exclusivamente do modelo interior imanente ao artista, da ideia geradora que se encontra na alma e que se difunde a partir dela, num movimento centrífugo de irradiação luminosa ( Enéadas, V, (). Assim, numa hierarquia ascendente, a forma visível submete-se à ideia invisível; as obras são inferiores ao artista, assim, como este é inferior à ideia da arte, e ambos, obra e artista, à actividade suprema da contemplação (Enéadas, VI, 7).
O carácter aleatório da História humana, e em particular da história das ideias, determinaria que o contributo da Poética, obra-prima de Aristóteles divulgada a partir da edição de Aldo Manuzio, de 1508, fosse praticamente ignorado durante o Renascimento, tal como o fora na Idade Média, e apenas viesse a gerar frutos significativos no âmbito do academismo do século XVII. Será um Aristóteles legado pela escolástica medieval, autor da Metafísica, da Física e da Retórica e, em menor grau, do De Anima e da Ética, a encontrar-se no horizonte conceptual do pensamento estético renascentista. Quer por via de adesão ou de crítica a um aristotelismo muitas vezes identificado com o formalismo escolástico, a teoria das quatro causas oferecia, por si só, um modelo de arte bastante consistente. Associado à causa eficiente, o artista ganha espaço para uma actividade produtora que pode reivindicar como sua. A obra é um produto unificado e completo, um composto de matéria e de forma, um ente singular em que a forma se identifica com o eidos mental existente no espírito e se aplica harmoniosamente a uma matéria dócil e receptiva à enformação (Metafísica Z, 7 1032b). A possibilidade de dar forma à matéria e de adequar o composto artificial a um fim predeterminado pelo intelecto artístico, tal como o movimento dos seres naturais se encaminha para um fim que é a sua perfeição, alicerçava a profunda afinidade entre a obra artística e o ser vivo, moldados ambos pelo valor último da perfeição ou completude.
A importância crucial que as doutrinas filosóficas assumem na concepção renascentista da arte deixa-se compreender também sob uma outra vertente. As teorias da arte carecem de uma sólida fundamentação teórica como via de legitimação do seu próprio exercício enquanto arte liberal. Esta ligação quase indissociável entre a reflexão teórica e a índole prática é confirmada pela proliferação dos tratados artíisticos. O surgimento do tratado de arte como género de escrita e difusão de ideias representa um fenómeno inédito na história das ideias e no qual Portugal se associa ao contexto epocal mais vasto. Frequentemente escritos por artistas, os tratados que em Itália começam a ser elaborados desde meados do século XV são ao mesmo tempo textos teóricos e verdadeiros manifestos profissionais que reivindicam e justificam para a actividade artística a autonomia de uma esfera que invariavelmente assenta no seu carácter intelectual. Mostrar como a arte tem na sua base uma actividade intelectual, é cosa mentale, na expressão paradigmática do pintor e primeiro historiador da arte moderna Giorgio Vasari, é subtraí-la ao estatuto medieval da ars mecânica dependente do ofício manual e da repetição oficinal das técnicas.. O mundo medieval legara, na divisão social das corporações profissionais, uma rígida divisão entre o intelectual e o artífice. O corpo dos saberes repartia-se conceptualmente, num elenco fixado, entre as artes do pensamento e da palavra, o Trivium, composto de gramática, retórica e dialéctica, e as artes da medida reunidas no Quadrivium, a aritmética, a geometria, a astronomia e música. Por seu turno, mestres e aprendizes das diferentes corporações, em que se incluíam também os pintores, desenvolviam um trabalho de oficina colectiva, subordinado a regulamentações brm definidas.
A luta pela autonomização das artes plásticas, durante tantos séculos vinculadas ao estatuto artesanal, vem de par com o advento da figura do artista criador, o qual coloca a assinatura nas suas obras, protagonizando uma autoria e consagrando o gesto de uma individualidade autora e não reprodutora, que pode também assumir a iniciativa inaugural de um estilo que se sobrepõe à aprendizagem de regras. Justificada é agora a nobreza das artes e dignificado quem as pratica, uma atitude que pode assumir graus diversos, desde as reivindicações de tipo profissional que ligam a liberdade ao mérito e à remuneração das obras até à exaltação de uma superioridade de tipo metafísico. A reflexão sobre a essência do pintar, do desenhar ou do esculpir conduz à elaboração de teorias globalizantes que chegam a impor uma inteira visão do mundo baseada nas novas artes, uma cosmovisão mental e imagética na qual as técnicas e preceitos passam a ser uma componente meramente secundária.
Considerando agora o conteúdo das ideias estéticas que se desenvolvem a partir de Itália e que se vão disseminando um pouco pela restante Europa, encontramos dois movimentos que correspondem a visões do mundo muito diferenciadas, e dão origem a estilos artísticos também diferentes e em grande medida opostos, os quais permitem definir balizas muito gerais na riquíssima produção destes séculos.
O Renascimento humanista, corresponde em termos latos ao século XV e inícios do século XVI, veio trazer um profundo renovamento intelectual ao considerar a cultura como fruto da experiência histórica da Humanidade. À Idade Média, responsável por uma visão mística, simbólica e caótica, a nova consciência contrapõe uma visão clássica, de feição serena e harmoniosa. O primeiro Renascimento elaborou um programa estético coerente e bem definido, que se deixa articular em torno dos seguintes tópicos: imitação e selecção da natureza, cientismo, composição e intelectualização.
Se a teoria da arte do Renascimento se baseia, sem qualquer conflito, no princípo da Arte como imitação da Natureza, não a entende como cópia servil dos modelos empíricos, mas como respeito a uma natureza já idealizada, depurada, por selecção, dos seus elementos imperfeitos e anómalos. Não é em Platão, mas na Física de Aristóteles que se identifica a origem deste tópico - arte imita a natureza, prolongando o processo gerador da Physis, completando o incompleto e aperfeiçoando o imperfeito (II, 2; 8), deslocando em operação transitiva o que nesta é princípio imanente. Porque a natureza é essencialmente movimento em que a potência tende para o acto, a arte deve prosseguir esse mesmo movimento em direcção à perfeição, imitando-a, isto é, reproduzindo-a com melhoramentos.
Na imitação dá-se o acordo entre a atenção ao mundo natural, antídoto indispensável contra a ausência de sentido de realidade de que padecia a figuração medieval, e a idealização mental, apenas permitida pelo conhecimento das leis internas do mundo natural e pela escolha selectiva dos elementos representativos. A arte tem como base a ciência, o artista é ele próprio um cientista, conhecedor das ciências da quantidade e da medida, da perspectiva geométrica, da óptica e da anatomia das proporções.
Ao assumir o topos da imitação como reprodução melhorada, a arte encontra o seu campo próprio nesta possibilidade dupla de respeitar a natureza e de ultrapassar os dados perceptivos graças à selecção e à abstracção, oferecendo ela própria um modelo mental para o natural, constituindo-se como pintura científica, operando com constantes e leis. No Trattato della Pittura, Leonoardo da Vinci, um dos mais brilhantes teorizadores desta concepção que alia naturalismo e cientismo, associa sem qualquer contradição a pintura como uma "filha da natureza", que disputa e rivaliza com a natureza, e como filosofia, investigação do real e conhecimento objectivo, e que chega mesmo a ultrapassar, pela inclusão dos coloridos e das qualidades, o estéril formalismo das ciências matemáticas da quantidade. A índole intelectual da arte é igualmente patente no conceito de beleza, identificada pelos atributos da perfeição e do acabamento, como bem ressalta da definição, que se tornaria canónica, de Leon Battista Alberti na obra De re aedificatoria, de 1485, como concinnitas ou concordância das partes de um composto - "a beleza é uma espécie de consenso e concordância entre as partes, na relação ao todo que elas constituem, obtida mediante um determinado número, delimitação e colocação, tal como requer a harmonia, ou seja, a norma absoluta e fundamental da natureza" (VI, UU). Belo e perfeito confundem-se numa ordenação formal e funcionalidade intrínseca que tão bem serve os propósitos de uma arte que aspira partilhar a dignidade do conhecimento intelectual.
Enquanto a natureza é celebrada como primeiro princípio e modelo da ordem e da harmonia, ao segui-la, a arte engrandece-se e encontra a sua própria legitimação. Mas quando a natureza é vista como uma matéria repleta de distorções e imperfeições ou desvalorizada como segunda instância ontológica já dependente da superioridade de um Deus criador, o objectivo prioritário da arte será o de desligar-se do mundo natural para se aproximar da ordem divina. A passagem do pintor "imitador da Natureza" ao pintor "imitador de Deus" marca o advento do espírito neoplatónico do Maneirismo.
O neoplatonismo encanta, como mais nenhuma outra doutrina, teóricos da arte e artistas, oferecendo pela primeira vez a possibilidade de fundar o parentesco entre artista e Deus e conferir um lugar de relevo à subjectividade da alma artística e à sua emanação expressiva. O artista que imita Deus repete o gesto absoluto da criação do mundo e diviniza-se nesse acto cuja origem deve unicamente ao dom e à inspiração transcendente. A questão de saber se é possível ao homem produzir beleza, a que Platão dava uma resposta negativa, alcança agora uma resposta não somente afirmativa mas por vezes apoteótica. Na nova fundamentação metafísica, as artes plásticas adquirem finalmente a tão almejada autonomia intrínseca, passando a viver inteiramente na esfera da ideia e do inteligível, elevando-se acima de todas as outras actividades humanas, e mesmo das outras artes.
A partir do início do século XVI assiste-se à emergência de valores que não se enquadram na estreiteza da concinnitas, nem encontram na ordem proporcionada e nas leis da simetria da perspetiva artificialis, uma ordem de base finita, o seu adequado meio expressivo. A beleza excede a proporção visível, é graça, expressão ou ideia infundida na mente, termos-chave de um vocabulário comum aos textos neoplatónicos de Marsilio Ficino e de Giovan Paolo Lomazzo. Desvenda-se o mundo da subjectividade e da intimidade, das tonalidades sentimentais e emocionais. Uma nova visão do mundo é instaurada pela estética e psicologia da luz. Não aquela claridade serena da luz física que, para os teóricos do Alto Renascimento, iluminava exteriormente as figuras, delimitando os contornos e realçando as respectivas qualidades, mas a lux interior e intimista que emana da espiritualidade profunda e é capaz de projectar o seu clarão mesmo sobre as mais aterradoras trevas da matéria.
A metafísica da luz, invocados embora como autoridades Platão e Plotino, reflecte melhor a matriz espiritualista plotiniana. Em Platão, a Ideia é terceiro termo intermediário entre a visão e o visível, a alma e as coisas sensíveis. Tal como o Sol torna possível a visão e a visibilidade sensíveis, assim a Ideia inteligível é em si mesma medium luminoso que liga o acto de conhecer e o cognoscível (República VI, 507c-509a). Em Plotino, a luz inteligível é acentuada na dimensão de interioridade que emana desde o interior da alma e se espalha de dentro para fora dela, tal um foco interior ou candeia fosforescente que tudo ilumina à sua passagem (Enéadas, I, 6). Mais propriamente, a alma não tem luz, mas é luz, enquanto que a luminosidade da matéria e dos corpos é inteira aparência que se reflecte neles, mas não lhes pertence.
O Maneirismo não apenas se segue, do ponto de vista cronológico, ao primeiro renascentismo de feição humanista, antropocêntrica e intelectualista, mas entra em colisão frontal com a subsunção da arte na ciência e os princípios matemáticos da perspectiva centrada e da composição simétrica. Em lugar da venustà de Rafael, vai imperar a assimetria, o deslocamento descentrado e o movimento não linear da composição, o alongamento distorcido da figura serpentinata, o amontoado dos corpos e a desordem dos elementos. Artista emblemático, e quase divinizado, deste sentido e cenográfico é Miguel Ângelo, arquitecto da monumentalidade dos espaços multiplicados, pintor e escultor de alegorias da espiritualidade que tão bem integram a intensidade do furore ou os conflitos da alma inquieta.
Um ideário tão sedutor e sugestivo pela liberdade e diversidade estilística que sanciona, que será levado à exaustão, até que por volta de 1600 se voltará a impor, por via do Barroco contra-reformado, uma nova atitude de contenção racionalista e de reabilitação naturalista.
Um panorama possível das ideias estéticas de maior interesse filosófico desenvolvidas em Portugal, como aquele que se segue, aborda concepções necessariamente diferentes, também explanadas em textos de distintos géneros e proveniências. A metafísica estética, na mais pura feição neoplatónica, é representada pelo filósofo Leão Hebreu e, em grande medida, pelo poeta Luís de Camões. A teoria da arte de cunho maneirista e italianizante pelo tratado de Francisco de Holanda, enquanto que o tratado de Felix da Costa Meesen ilustra bem a introdução, já nos finais do século XVII, do espírito academista de uma contida perspectiva de austeridade.
.
1. Metafísica do amor e da beleza em Leão Hebreu
Cabe nestas páginas dedicadas aos Diálogos de Amor de Leão Hebreu também estudados em outro capítulo do presente volume, a elucidação mais precisa de uma teoria estética no seio de uma metafísica do amor, retomando uma associação entre amor e beleza que tem a sua introdução paradigmática no Banquet de Platão, diálogo em que a fundamentação filosófica convive com a explicação mítica. Segundo o discurso de Sócrates, veículo da inspirada Diotima, o Amor é um ente mitológico, um semideus, proveniente da cópula fortuita entre Poros, o expediente, e Pénia, a pobreza, frito de uma união clandestina de ambos, consumada na sombra da noite por altura de um banquete realizado em honra de Afrodite. Desprovido de identidade própria, por ser pobre e nada ter, e de identidade fixa, o que o leva a assumir múltiplas facetas, Eros é um ser relativo e não absoluto. Como desejo do do belo, não é belo; amor e beleza não coincidem nem podem ser identificados (Banquete 200a-204c). Desejo do que não tem, o amor mostra-se necessariamente, por natureza, como tensão para fora dele, numa busca nunca terminada do complemento para a privação que o caracteriza. O sentido privativo é, porém, somente uma das facetas da dinâmica desiderativa. Enquanto ente demoníaco, Eros cumpre a função de intermediário entre humanos e deuses, é mediador entre pólos distantes, é intrinsecamente dialecticidade. É ainda tensão e aspiração, não apenas naquilo que não é, mas de algo superior. Daqui provém a força de elevação, o estímulo para ascender na escala do ser, que permite a Platão ligar, por um lado, eros e mania, o delírio e a inspiração dos amantes e do poeta, e ao mesmo tempo, conferir-lhe um papel de iniciação no caminho que conduz à verdade do conhecimento (Banquete 206a-209).
Uma dialéctica do amor e da sabedoria confere ao amor da beleza, quer dizer, que é busca e posse dela, uma função crucial na elevação pedagógica e intelectual. A teoria platónica acaba por mostrar que, mais do que no delírio apaixonado do amante, é no objecto amado que reside o centro da dinâmica erótica, foco inspirador e elemento centrípeto, cuja beleza atrai e solicita até ele o amante. O primado do amado sobre o amante resolve o desnível inicial dos termos e a iminente irracionalidade do amor como desejo, uma vez que no amado, ao contrário do amante, beleza e ser coincidem (Banquete 203b-d). A mediação erótico-estática para a sabedoria torna-se coerente, uma vez que a Beleza é de ordem inteligível, mas também porque é aquele inteligível que se manifesta sensivelmente, sendo a única das Ideias a usufruir do privilégio de se fazer visível, ou melhor, de se fazer visibilidade, no mundo sensível (Fedro 250b-252; Filebo 64e). Face mais brilhante do ser, a Beleza atrai e seduz, primeiro os sentidos e os corpos, e por fim, as almas, num movimento de conversão que culmina na contemplação directa e sem mediação.
Os Diálogos de Amor de Leão Hebreu respiram uma atmosfera platónica, inserida numa cosmologia neoplatónica que sintetiza fontes clássicas com princípios de uma visão criacionista do mundo. A relação entre Amor e Beleza é matéria central do Diálogo III (Da origem do amor), mas a sua explanação vem preparada pelos dois primeiros, em que se sucedem o debate sobre I. Do amor e do desejo e II. Da Universalidade do amor, e a cujas linhas conclusivas teremos que fazer apelo.
1.1. Do amor (humano) como desejo unitivo
Não obstante as hesitações de Sofia que estranha a identificação do amor com o desejo, por associar indevidamente amor e posse, amar e ter, o que se ama e o que se tem, numa acepção que lhe parece subordinada a grosseira da dinâmica amorosa, a definição será mantida até ao fim, porém com a importante precisão de que desejo não significa apenas o desejo de possuir a coisa, mas desejo da união com ela. A diferença entre os campos do amar e do desejar não é negada, mas superada numa numa definição ampla - "desejo é afecto voluntário do ser, ou de possuir a coisa tida por boa e cuja falta se sente" (I, 12: O número romano indica o Diálogo, a numeração árabe indica a paginação do volume II da edição de Giacinto Manuppella). União e posse são assim dissociados; por um lado, a união não implica necessariamente posse, sen do possível "gozar com a união" independentemente de se ter ou não; por outro, o desejo não remete apenas para uma privação. como desejo do que não se tem, mas pode ser igualmente desejo de união com o que se tem.
Vários elementos acompanham a peculiar forma de desejo em que o amor consiste - a persistência e futuração, a afinidade com o bom e o conhecimento. A futuração, pois se o desejo persiste para além da posse, a fruição pode igualmente prosseguir como "permanente desejo de gozar a união com a coisa amada" (I, 43). A afinidade com bom, pois só o que possui a característica do bom é amável - "desejo de gozar com união a coisa conhecida por boa" (I, 40). Assim, pela associação do desejo com o bom - o amor é desejo unitivo com o bem; só o bem, as coisas boas, são amáveis - e com o conhecimento, uma vez que amar implica conhecer, somos conduzidos à última instância, a ligação ontológica. Amor implica conhecimento, e conhecer implica o ser. Como desejo de uma coisa que não se tem, mas que necessariamente é, insere-se totalmente na esfera do ser, não na do não-ser. A diferença entre potência e acto, bem intuída pela subtil Sofia, conduz ao estabelecimento da diferença entre o desejo-potência e o amor-acto. A potência está no acto de desejar, não no objecto desejado, que é acto, embora possa não o ser presentemente, como quando se deseja que chova ou que alguém apareça. Fílon rejeita a hipótese do não-ser como nada; este não se ama, nem se deseja, logo, não se pode ter. Por consequência, tudo o que se deseja é ser, e embora não o seja actualmente, é-o como possibilidade.
No amor encontram-se e fundem-se as instâncias ontológica, cognoscitiva e moral. Ser, Verdade e Bem são convertíveis. A coisa é, é conhecida, é tida por boa, e desejada. O objecto desejável é simultaneamente ser, verdadeiro e bom. No grau superior, que é o amor, o desejo leva à união e ao conhecimento unitivo, no qual se encontra o seu verdadeiro fim. Daí que o desejo não cesse com a posse do objecto, podendo continuar a persistir, mas sob outra forma. Não será desejo de ter, porque já se tem, mas de fruir "com união cognoscitiva" (I, 40). O desejo de fruir com a união transformar-se-á por fim em "desejo de se converter por união na coisa amada" (I, 41). Esta passagem clímax da doutrina do amor-desejo, mostra como a verdadeira união não é posse de algo estranho, mas movimento para a fusão de ser com ser, para ser aquilo que a coisa é. Trata-se de uma metamorfose operada não só a nível do saber ou conhecer, mas do ser - desejo de ser aquilo que a coisa amada é. Momento de remoção da diversidade, a união realiza-se como a conversão de dois em um. Mas porque o amor implica a reciprocidade e igualdade dos termos, cada um dos quais quer transformar-se no outro, o amor entre humanos, de que aqui se trata, opera uma conversão dúplice - "conversão do amado, com desejo de que se converta o amado no amante. E quando tal amor é igual em cada uma das duas partes, define-se como conversão de um amante no outro" (I, 45).
A posição de Leão Hebreu quanto ao amor físico não é de mera concessão, mas faz dele componente essencial do amor perfeito, união integral de corpos, corações e almas. Sob o amor das almas, é exaltado o erotismo da união dos corpos, concorrendo os actos amorosos destes para a intensidade da relação - "esta afeição e este amor me fizeram converter em ti, gerando em mim o desejo de que tu te convertas em mim, para que eu, amante, possa ser uma mesma pessoa contigo, amada, e em plena igualdade de amor forme de duas almas uma só, que possa de igual maneira vivificar e governar dois corpos" (I, 47). Numa interessante explicitação do sentido da fusão amorosa completa, que implica a equiparação de estatuto de homem e mulher, a união de dois pode ser entendida como conducente ao um, à desindividualização, ou ao quatro, pelo desdobramento de cada um dos termos em amante e amado (III, 200). Na escala unitiva, a penetração das mentes dá-se apenas por intensidade, pelo que os espíritos, sendo incorpóreos, podem fundir-se, mas não os corpos espaciais.. Todavia, prescindir do amor em nome do primado da razão, seria cair na esterilidade. À teoria do amor subjaz uma antropologia unitária, não dualista, em que o corpo carnal se mistura com a alma. Se bem que o corpo seja matéria perecível e mortal e a matéria designada como "abismo e lodo" (I, 22), a alma indivisível, ao penetrar no corpo, espalha-se por todas as partes deste, por dilatação e radiação, multiplicando-se tal como a luz do Sol (III, 158), numa perspectiva da ligação psicofísica de mente e corpo que tem no coração a sede da virtude vital.
1.2. Do belo e do bom ou da beleza como graça formal
A questão de saber se o amor deve ser definido pelo belo ou pelo bem, contrapondo respectivamente como modelos o eros platónico e a philia aristotélica, Hebreu, após discutir o Banquete, supera parcialmente a definição platónica, por ser restritiva, e defende uma solução preferencialmente moral.
Desde o primeiro momento que é defendido o carácter relativo do belo ou do formoso, por oposição ao bom, que é obectivamente comum. Sendo mais universal, pode ser desejado também por outrem, ao passo que o belo só é desejado para si mesmo. Estamos perante duas maneiras de desejar, e não apenas perante uma mera diferença de objecto - "Quem deseja o belo, deseja-o sempre para si, porque lhe falta; e quem deseja o bom, pode desejá-lo para si próprio ou para outra pessoa amiga a quem faça falta." (III, 197) O bom não é relativo em si mesmo; o relativismo moral depende somente da rectidão do juízo, do engenho são ou doentio. Já o reltivismo do belo, é-lhe inerente, acontece mesmo aos engenhos são e virtuosos. Daqui decorre que todo o belo é bom, mas que nem todo o bom é belo, o que significa que as duas noções, e as respectivas realidades, não são congruentes nem convertíveis, havendo mesmo coisas que não são belas nem feias, mas desprovidas de esteticidade, como resulta da definição "o belo é um bom que tem beleza, e sem esta o bom não é belo" (III, 2013).
À pergunta de Sofia "o que é a beleza?", que introduz a parte mais especificamente estética dos Diálogos, a beleza surge imediatamente no seu carácter de suplemento, como qualidade que se acrescenta ao bom para que devenha também belo. Como qualidade que excede o bom, mas o pressupõe e não pode prescindir dele, Leão Hebreu faz inequivocamente depender o belo do bom, como bom acrescido. De entre várias definições possíveis, Fílon apresenta a definição verdadeira, sustentando assim a definibilidade do conceito de beleza - "A Beleza é graça que, deleitando o ânimo pelo seu conhecimento, o move a amar; e o objecto bom, ou a pessoa, em que se encontra essa graça, é bela, ao passo que a coisa, em que não se encontra tal graça, não é bela nem feia: não é bela, porque não tem graça; não é feia, porque não lhe falta bondade." (III, 203) Aqui se resume aquela qualidade decisiva que faz belo o bom, a saber, a graça, cuja presença, por ser supletiva, é contingente e explica o carácter acessório da beleza, o que pode conduzir à neutralidade ou à indiferença estética (nem belo nem feio). Por se encontrar dependente do bom, uma privação estética ou uma positividade do feio seria um absurdo, isto é, o feio acontece apenas quando coexistem cumulativamente falta de graça e falta de bondade, e aí "não só não é belo, mas até é mau e feio, porque entre o belo e o feio existe um meio-termo, enquanto entre o bom e o mau não há um verdadeiro meio-termo, porque o bom é ser e o mau privação" (III, 203) A excedência da graça é apenas a outra face da subordinação, claramente defendida, do estético ao moral e que destitui o estético, considerado em si mesmo, de uma verdadeira consistência de ser. A propriedade da beleza revela-se inconsistente ou pouco consistente. Em última análise, o belo não é nem possui ser próprio. Entre ambos, bom e belo, não há sequer paralelismo, pois para o belo não se coloca a alternativa entre ser e privação. O contrário do ser-bom é o ser-mau, mas não existe contrário do ser-belo, apenas um grau intercalar, por ausência de graça, mas não por privação ela.
Encontramo-nos no seio de uma concepção estética inteiramente obectivista. Por um lado, porque a beleza faz parte das coisas que a possuem e não provém de uma apreciação subjectiva, emocional ou afectiva. Por outro, a estética insere-se numa kalologia ou doutrina do belo, entendida por sua vez como Kalokagathia, doutrina do belo que é bom. Na clarificação mais precisa desta modalidade objectiva, Hebreu enuncia a forma. A graça provém da forma, condensando-se, por vezes, os dois critérios na expressão "graça formal" (III, 291). A beleza encontra-se preferencialmente nas formas visuais, nas belas figuras e pinturas, e nas formas auditivas, como as músicas, os sons e o canto. A objectividade é-lhes conferida pelo critério interno da proporção e harmonia, muito semelhante à concinnitas de Alberti - "bela harmonia das partes entre si em relação ao conjunto" (III, 204) -, ou seja, pela perfeição formal ou adequação interna das partes que transforma um agregado num todo coeso.
Apresentada a definição, cabe colocar o problema da apreensão e ajuizamento objectivo da forma bela. Qual o órgão que capta e conhece a forma graciosa? Este conhecimento depende da aliança entre os sentidos e o pensamento. O belo pode ser compreendido pelos sentidos superiores, pelas virtudes cognoscitivas (imaginação e fantasia), e pela razão intelectiva, num processo em que a alma é esdtimulada pela graç e pela beleza que " entram espiritualmente pelos olhos, pelos ouvidos, pela reflexão, pela razão e pelo intelecto". Uma hierarquia da sensorialidade intervém, como seria de prever, trazendo com ela primado da visão e da audição, sentidos superiores porque desinteressados e quase espirituais cuja transição às faculdades intelectuais se sucede sem hiato. Os restantes sentidos, como o olfacto, o paladar e o tacto, imprescindíveis nas funções básicas da existência e da sobrevivência, são corporais, toscos,, materiais, distinguindo-se nesta teoria da sensitividade também graus correspondentes do deleite que proporcionam.
Assim a beleza, mesmo que se mostre sensivelmente, é de natureza espiritual. Traçado está o caminho que conduziu da ordem da descoberta à ordem da fundamentação e alcançado o momento em que se impõe distinguir as coisas belas da Beleza.
1.3. Beleza inteligível e visão contemplativa
A Beleza é Ideia, entidade puramente espiritual, desprovida de corpo e de matéria, de contornos e limites, una, simples e sem partes. Numa busca de síntese entre platonismo e aristotelismo, Hebreu define as Ideias em sentido platónico, como fundamento ontológico, mas dá-lhes ao mesmo tempo a configuração gnosiológica de "noções do universo criado", "pré-conceitos divinos das coisas a produzir" ou "pré-notícias divinas das coisas produzidas". Elas são os arquétipos e "espécimes modelares" existentes na mente divina, os modelos eternos de que todas as coisas perecíveis participam.
A relação de participação permite garantir a independência e a separação do fundamento em relação ao fundado, do uno em relação ao múltiplo, e, reciprocamente, a ligação deste àquele. Hierarquia e ligação configuram um universo que é da ordem do misto e da mistura, e em que os seres podem ser escalonados segundo o grau em que contêm a Ideia, a qual, não sendo a coisa, se encontra nela. A participação de todos os entes na essência espiritual da Beleza não significa que só os entes espirituais sejam pelos, mas que mesmo os sensíveis são belos em virtude da espiritualidade que os anima, numa palavra, que "as belezas corpóreas, enquanto tais, não são corpóreas" (III, 300). A beleza visível dos corpos não procede deles mesmos, mas daquela outra, incorpórea, que está neles e da qual participam.
Para designar a beleza espiritual, todos os critérios empíricos acabam por se mostrar como falíveis. Alguma justeza poderia ser concedida à proporção, que é ordem, harmonia e concordância, portanto, logos, unidade e ordenação mental. Mas, por se encontrar agregada à quantidade, e sendo esta da ordem do composto e da diversidade das partes, não poderia existir beleza no simples, o que conduziria à implicação contraditória de a Beleza não ser bela. Rejeitada a natureza corpórea da Beleza, ela surge na sua essência como Luz, pura visibilidade espiritual, brilho e "resplendor" (III, 301) de que as belezas sensíveis são simulacros (III, 294) e todo o belo corpóreo é "sombra participada" (III, 286) em grau diferente consoante a proporção da mistura de forma e matéria que nele se encontra. Num mundo em escala hierárquica, em contínuo descenso da pura luz à sombra, no topo situa-se a unidade de forma, , espírito e beleza, acabando, no grau inferior pela ligação de corpo, matéria, disformidade e fealdade - "a forma sem corpo é belíssima, assim como o corpo sem a forma é feíssimo" (III, 292). É somente a Luz "que desfaz a fealdade do negrume da matéria disforme" (III, 290) A graça formal é assim derivada da Ideia, pois só ela é forma substancial dada à matéria, em si mesma informe. Ela é introduzida no composto mas não provém dele, sendo toda a beleza dos corpos beleza nos corpos, proveniente não da proporção nem da quantidade, mas exclusivamente da qualidade luminosa, simples, una e indivisível que exibem.
O critério finito da adequação entre forma e matéria, de origem aristotélica, não se ajusta a uma fundamentação metafísica assente na heterogeneidade entre espírito e matéria e entre cujas implicações se conta o primado do ente natural sobre o artificial. As formas independentes, separadas e isentas de mistura, são mais belas do que as formas já impressas na matéria, estas, por sua vez, mais belas que a matéria corporal que enformam. A Ideia de Beleza, como todas as outras Ideias, emana directamente do Intelecto divino, as formas multiplicadas das coisas naturais residem na segunda instância, a Alma do Mundo; as formas artificiais provêm da mente finita do artífice. Nesta associação de luz, forma e beleza, de matéria e fealdade, a noção de arte usada por Hebreu compreende também ela dois aspectos - um, o princípio gerador, a ideia existente na mente artística, puro conceito mental onde reside a sua essência; o outro, a concretização da Ideia em obra. Esta é da mera ordem da execução, numa acepção mecânica de technè que implica o conhecimento e o fabrico,, numa noção de conhecimento prático que alia o saber e o fazer, e implica o uso das mãos (I, 31). Em virtude da technè, há composto, mas só em virtude da Ideia há beleza. O primado da concepção sobre a execução determina também o primado da Arte sobre o artífice, e da mente deste sobre a(s) sua(s) obra(s) (III, 292).
A relativa desvalorização das artes plásticas não se aplica exactamente ao mundo da ficção, que não é technè dos artefactos, mas se aproxima do conhecimento e possui, face à linguagem demasiado distante da ciência, um especial poder de significação e de atracção sobre o público. Hebreu sublinha a capacidade expressiva da linguagem cifrada dos mitos e das fábulas, a força alusiva e sugestiva das metáforas, elogiando, no fundo, o poder simbólico e o carácter polissémico da palavra poética, quer no campo próprio da poesia quer enquanto estilo dialógico e efabulatório da filosofia (I, 90 ss).
Uma estética de fundamentação metafísica valoriza o conhecimento contemplativo sobre a ordem técnica do fazer e do produzir. Uma metafísica da Luz dá origem a uma ontologia da visibilidade, da essência luminosa do mundo e do intelecto, e inclui, como seu correlato, uma gnosiologia e também uma psicologia da visão.
Como vimos, o primado da visão (e da audição) sobre os restantes órgãos sensitivos, com a consequente distinção entre órgãos espirituais e órgão corpóreos, foi estabelecido desde o Diálogo I. A fundamentação metafísica permite agora compreender o paralelismo, mas também a diferença, entre visão física e visão intelectual, a partir da essência da luz como imanente ao intelecto. A visão adquire preponderância mesmo