Para
não se confundir a constituição republicana com a democrática (como costuma
acontecer), é preciso observar-se o seguinte. As formas de um Estado (civitas)
podem classificar-se segundo a diferença das pessoas que possuem o supremo
poder do Estado, ou segundo o modo de
governar o povo, seja quem for o seu governante; a primeira chama-se
efectivamente a forma da soberania (forma
imperis) e só há três formas possíveis, a saber, a soberania é possuída por um só, ou por alguns que entre si se religam, ou por todos conjuntamente, formando a sociedade civil (autocracia,
aristocracia e democracia; o poder do príncipe, da nobreza e do povo). A
segunda é a forma de governo (forma regiminis) e refere-se ao modo, baseado na
constituição (no acto da vontade geral pela qual a massa se torna um povo),
como o Estado faz uso da plenitude do seu poder: neste sentido, a constituição
é ou republicana, ou despótica. O republicanismo é o princípio político da separação do poder
executivo (governo)do legislativo; o despotismo é o princípio da execução
arbitrária pelo Estado de leis que ele a si mesmo deu, por conseguinte, a
vontade pública é manejada pelo governante como sua vontade privada. – Das três
formas de Estado, a democracia é, no sentido próprio da palavra,
necessariamente um despotismo, porque
funda um poder executivo em que todos decidem sobre e, em todo o caso, também
contra um (que, por conseguinte, não
dá o seu consentimento), portanto, todos, sem no entanto serem todos, decidem –
o que é uma contradição da vontade geral consigo mesma e com a liberdade.
Toda a forma de governo que não seja representativa é, em termos estritos,
uma não-forma, porque o legislador
não pode ser ao mesmo tempo executor da sua vontade numa e mesma pessoa (como
também a universal da premissa maior num silogismo não pode ser ao mesmo tempo
a subsunção do particular na premissa menor); e, embora as duas outras
constituições políticas sejam sempre defeituosas porque proporcionam espaço a
um tal modo de governo, é nelas ao menos possível que adoptem um modo de
governo conforme com o espírito de um
sistema representativo como, por exemplo, Frederico II ao dizer que ele era
simplesmente o primeiro servidor do Estado, ao passo que a constituição
democrática torna isso impossível porque todos querem ser o soberano. – Pode,
pois, dizer-se: quanto mais reduzido é o pessoal do poder estatal (o número de
dirigentes), tanto maior é a representação dos mesmos, tanto mais a
constituição política se harmoniza com a possibilidade do republicanismo e pode
esperar que, por fim, a ele chegue mediante reformas graduais. Por tal razão,
chegar a esta constituição plenamente jurídica é mais difícil na aristocracia
do que na monarquia e é impossível na democracia, a não ser mediante uma
revolução violenta. Mas ao povo interessa mais, sem comparação, o modo de
governo do que a forma de Estado (embora tenha também muita importância a sua
maior ou menor adequação àquele fim). Ao modo de governo que deve ser conforme
à ideia de direito pertence o sistema representativo, o único em que é possível
um modo de governo republicano e sem o qual todo o governo é despótico e
violento (seja qual for a sua constituição). – Nenhuma das denominadas
repúblicas antigas conheceu este sistema e tiveram de dissolver-se
efectivamente no despotismo, que, sob o poder supremo de um só, é ainda o mais
suportável de todos os despotismos.
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