LES TEMPS QUI CHANGENT (2004)
Catherine Deneuve (Cecile)
Gérard Depardieu (Antoine)
Gilbert Melki (Nathan)
Malik Zidi (Sami)
Lubna
Azabal (Nádia)
No
presente filme, Téchiné apresenta-nos uma narração interpolada, onde a ação
principal vai sendo entrecortada por uma ação secundária, que, no entanto, se
apresenta de algum valor, até porque ambas as ações se entrecruzam nos mais
variados momentos. Na primeira delas ficamos a saber que Cecile havia tido uma
relação amorosa com Antoine, nos seus tempos de juventude. Entretanto, essa relação
terminara, Cecile refizera a sua vida: casara com Nathan, ambos tiveram um
filho (Sami), e é atualmente uma mulher integrada na sociedade marroquina,
sendo hoje locutora de rádio em Tânger. Outra direção impusera a vida a
Antoine, que não casara, nem, ao longo das décadas conseguira esquecer Cecile,
tornando-se, contudo, um homem de sucesso. Passados todos esses anos, Antoine
chega a Tânger para vistoriar as obras de um Centro Audiovisual, que irá
difundir o Islão moderado e concorrer com a Al Jaazera. O encurtar da distância
física entre as duas personagens cimenta a proximidade que sempre existira na
memória de Antoine, este, fechado no quarto de hotel e nas pausas do trabalho,
fala para um gravador.
Antoine:
Todas as noites oiço a tua voz, olho para esta cidade e vejo-te.
Cecile
apresenta-nos uma Figuração forte, decidida, racional, ao contrário de
Sami, o filho: um jovem preso às emoções e aos sentimentos, que, às certezas da
mãe, contrapõe uma dada fragilidade e uma docilidade afetiva, que Cecile
insiste em reprimir. O primeiro embate entre ambos, e, consequentemente, o
primeiro cruzamento das duas ações, dá-se logo no início, quando Cecile, no
aeroporto, espera o filho, que havia rapado a pera, e faz-lhe logo sentir as
indefinições dele.
Cecile:
Com ou sem pera não consigo encontrar o teu estilo.
Sami
trouxera Nádia, a sua atual companheira, que, por sua vez, trouxera um filho
seu de outra relação, estes factos enervaram ainda mais a mãe.
Cecile:
Põe-nos sempre perante factos consumados e a gente que se desenrasque. Vamos
fazer o que te der jeito, como sempre.
Em
casa, Cecile tenta, em vão, estabelecer pontes com o filho.
Cecile:
Fala-me de ti, da tua vida.
Por
sua vez, no hotel, Antoine continua de rádio ligado, escutando a voz de Cecile.
Decide mesmo enviar-lhe, para a estação de rádio, um bouquet de rosas
vermelhas, a colega que lho entrega diz-lhe que ela poderá perguntar na
florista quem lhas teria enviado, mas Cecile atira as rosas para o caixote do
lixo.
Cecile:
Prendas e cartas anónimas são para nos fazer reféns.
Sami
volta, pela segunda vez, a uma vivenda que já tinha rondado, mas da qual havia
fugido por causa dos cães. No lado de dentro aparece um jovem árabe. E aqui
apresenta-se o tal interpolamento da narração que referi acima.
Sami:
Não sabia se querias ver-me.
Bilal:
Eu já te disse para entrares.
Sami:
O jardim parece-me bonito, mostras-mo?
Bilal:
Foi para isso que vieste?
Sami:
Não, foi por ti! Em Paris não podia dar-te tudo isto.
Bilal:
Não me venhas com essa de Paris. Foi divertido, mas nem pensar em lá ficar. Já
te disse que não quero depender de ti.
Sami:
Desculpa ter falado de Paris.
Bilal:
Sempre a desculpares-te, como os europeus.
Bilal
é mordaz relativamente à relação de Nádia com Sami, este responde que precisa
dela, da sua cumplicidade.
Bilal
(irónico e duro): Mas eu não procuro o amor, só quero que me respeitem; e tu,
meio francês meio marroquino, metade homem metade mulher, deve mesmo ser
difícil encontrares-te.
Apesar
do tom agressivo, Bilal avança na direção do ato sexual.
Sami:
Pensei que não querias.
Bilal:
Não sinto necessidade, mas quando a ocasião surge…
O
filme regressa à ação principal: Antoine vê Cecile na fila de pagamento de um
supermercado, esconde-se atrás de uma planta alta. Cecile está com Nathan, o
marido. Quando Antoine tenta escapar-se, esbarra com uma porta de vidro, cai e é
socorrido no local pelo marido de Cecile que é médico.
Cecile
e Antoine encontram-se.
Cecile:
Continuas a usar Eau Sauvage.
Antoine:
Sim, sou um tipo fiel. É a minha natureza!
Voltam
a encontrar-se para Cecile lhe mostrar uma vivenda para ele alugar durante a
estadia, e assim sair do hotel. O carro empana e eles fazem o pouco caminho que
resta a pé. Conversam.
Antoine:
Tenho a sensação de que te esqueceste de mim com o tempo.
Cecile:
É normal. Não vivo no passado. A minha vida continuou.
Antoine:
Pois, estou a ver! Comigo foi ao contrário: a ausência aproximou-me de ti.
Quanto mais o tempo passou, mais senti a tua falta.
Cecile:
Queres que acredite que tens saudades minhas há trinta anos?
Antoine:
Trinta e um anos, oito meses e vinte dias, exatamente. Sempre soube que te
voltaria a encontrar.
Cecile:
Foi o acaso, Antoine.
Antoine:
Não foi o acaso! Procurei-te! O que é que tu julgas?
Cecile:
Mas o que queres exatamente de mim?
Antoine:
Quero que envelheçamos juntos.
Cecile:
Ah, meu pobre Antoine, estás completamente louco!
Antoine:
Sabia que irias dizer isso. Não tem importância. Não te vou forçar. Esperarei.
Neste filme, não é apenas o facto das duas histórias vivenciais e afetivas estarem interpoladas, acontece também que ambas estão sujeitas a um esquema de triangulação: Cecile/ Nathan/Antoine e Sami/Bilal/Nádia. Vejamos:
Sami (para Nádia): Queres voltar para Paris?
Nádia:
Não quero impedir-te de ver Bilal.
Sami:
Bilal não passa de uma aventura. Não é o essencial. O que conta és tu!
Nathan
tem um projeto de trabalho em Casablanca. Cecile recusa-se a acompanhá-lo e
ocorre uma cena de violência.
Cecile:
Só pensas nos teus interesses. Não vês os que te cercam: acaso alguma vez
reparaste que o teu filho gosta de rapazes?
Nathan:
Isso não é assunto que me diga respeito.
Entre
Cecile e Nathan dá-se a rutura, este, por sua vez, conhece a gémea de Nádia com
quem segue uma nova etapa da sua vida. Sami continua a passar noites com Bilal.
Numa delas vem cá fora urinar e um dos cães morde-o numa das pernas, Bilal
queima-lhe a ferida com uma chave grande em brasa (convém estar-se atento
também aos símbolos, neste caso uma “chave”!), mas será o pai, já em casa, que,
suspeitando do que se passara, mas sem lhe fazer perguntas, lhe dará a injeção
contra o tétano.
Cecile
procura Antoine no hotel onde este se aloja.
Cecile:
Antoine, o que tenho para te dizer: a tua história de amor comigo não existe.
Pões ideias na tua cabeça, porque é mais fácil sonhar do que viver (…) Mas
como vês estou aqui, com um corpo que já não me agrada, com uma vida a
desmoronar-se. Então, o que te proponho não é o que me ofereces. Não quero uma
relação para o futuro, mas gostava de fazer uma pausa. Só uma pausa antes de
retomar o caminho, se estiveres de acordo.
Antoine:
Uma pausa? E o que é uma pausa?
Cecile:
É o que prefiro na vida. Quando nos esquecemos do propósito da viagem, deixamos
de pensar no caminho, é quando paramos para respirar.
Antoine:
Está bem, façamos uma pausa! Mas gostava de ir mudar de roupa, de tirar estes
farrapos.
Cecile:
Falei demais. Desculpa.
Deitam-se.
Fazem sexo.
O
filme volta aqui às cenas do prólogo: Antoine vistoriando uma vala enorme da
obra é atingido por uma derrocada.
Antoine
está agora hospitalizado, entubado, em coma. Cecile, sentara-se ao lado da
cama, fala com ele, diz-lhe que Nathan encontrara alguém, e continua falando
para um Antoine em coma.
Cecile
lancha com Rachel, uma amiga, diz-lhe que Antoine irá ser repatriado para
recuperar em França, e que ela o acompanhará.
Rachel:
Nunca vi um homem como ele.
Cecile:
O que é que queres dizer com isso?
Rachel:
É que costumam ser as mulheres que se apaixonam desse jeito.
Numa
outra visita ao hospital, Cecile continua falando para Antoine, este,
entretanto, sai de coma, mexe a mão. As mãos de ambos agarram-se, afagam-se.
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