segunda-feira, 9 de julho de 2018


Não me lembro dos rostos, mas lembro-me que eram vinte e quatro, e de entre eles alguns traziam as mulheres. Um dia o pai chamou-nos, queria que nos vissem, aos dois, a Tatiana e o Manuel. como estávamos crescidos, quase adultos. Universitários. Um dos vinte e quatro disse - "Estudos de direito? Meu caro Custódio, faz você muito bem. A rapariga é para casar, mas o rapaz é para entrar nos bancos através da porta do direito. Só aconselho direito para aceder aos bancos. É nos bancos que tudo se vai jogar. Num futuro muito próximo, não interessa estar ao lado de quem é obrigado a fazer o dinheiro. Sofre-se muito, e só raramente é rentável. O importante será lidar com o dinheiro e servir-se o próprio directamente dele. Diz-me a minha intuição que daqui a uns tempos só haverá dois tipos de indivíduos, os idiotas que labutam no trabalho e ganham pouco ou nada, e os inteligentes que vivem no meio do dinheiro que os outros ganham e detêm tudo. Mande-o para os bancos, Custódio Galeano. Você e eu já não teremos tempo de ver, mas dentro de algumas décadas as cidades, as nações, os países, não contarão para nada. O mapa-múndi estará dividido conforme as siglas dos bancos, toda a guerra provirá dos bancos, e a paz, se a houver, também. Faz você muito bem mantê-lo nos estudos do direito. E a rapariga que encontre um bom marido."
.
.
 Jorge, Lídia. Estuário. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2018, pp 124-125.
.
.
.