segunda-feira, 30 de julho de 2018


              O Isco

Vem viver comigo e sê o meu amor,
e novos prazeres experimentaremos
entre areias douradas e ribeiros cristalinos,
com fios de seda e anzóis de prata.

Ali correrá o rumoroso rio
mais aquecido pelos teus olhos do que pelo sol,
onde os peixes enamorados, implorando,
entre si, a si mesmos se atraiçoam.

Quando nadares naquela água viva,
cada peixe em cada canal
há-de dirigir-se a ti amorosamente,
mais feliz por te achar do que tu a ele.

Se odeias ser assim vista
pelo sol e pela lua, obscurece-os a ambos,
e se eu próprio te puder ver,
da sua luz não necessitarei, tendo-te a ti.

Que outros, enregelados, com canas de pesca,
feridas as suas pernas por conchas e algas,
ou traiçoeiramente prendam o pobre peixe
com laços que o apanhem ou com redes ondulantes;

que mãos ásperas e ousadas, do seu ninho viscoso
o venham libertar junto aos bancos de areia;
ou que, estranhos traidores, as moscas nos fios de seda
enfeiticem os olhos errantes do infeliz peixe.

Tu não necessitas de tais embustes,
porque és o teu próprio isco,
e, ai de mim, muito mais sábio que eu
será aquele peixe que não é apanhado.
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  Donne, John. Poemas. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2017, p 23 (Tradução e Prefácio de Maria de Lourdes Guimarães e Fernando Guimarães).
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