segunda-feira, 13 de agosto de 2018


       47  (Esta Secção 47 pertence ao longo poema Canto de mim mesmo )


Eu sou o mestre dos atletas,
Aquele que ao meu lado dilata mais o peito que eu vem provar a largura do meu,
Aquele que mais honra o meu estilo é quem com ele aprende a destruir o mestre.

O rapaz que amo, esse mesmo, torna-se homem não através de uma força
       fictícia mas pelos seus próprios meios,
Mais vale ser imoral que virtuoso por conformismo ou medo,
Amigo do seu amante, saboreando com prazer um pedaço de carne,
O amor não correspondido ou o desprezo ferem-no mais que o aço cortante,
Primeiro a cavalgar, a lutar, a atirar, a manobrar um batel, a cantar uma canção
       ou a tocar banjo,
Prefere as cicatrizes e a barba e as caras marcadas pela varíola às que foram
       ensaboadas,
E as queimadas pelo sol àquelas que dele se abrigam.

Ensino a afastarem-se de mim, mas quem se pode afastar de mim?
Quem quer que sejas, sigo-te desde este momento,
As minhas palavras hão-de atormentar-te os ouvidos até as compreenderes.

Não digo estas coisas só por um dólar ou para matar o tempo enquanto
       espero por um barco,
(Tu falas tanto como eu e eu sou a tua língua
Presa à tua boca e ela começa a soltar-se na minha.)

Juro nunca mais mencionar o amor ou a morte dentro de uma casa,
E juro nunca me revelar a ninguém senão àquele ou àquela que ficar a sós
       comigo ao ar livre.

Se quiseres compreender-me vai para as alturas ou para a praia,
O mosquito mais próximo é uma explicação, e uma gota ou um movimento
       das ondas uma chave,
O malho, o remo, o serrote, secundam as minhas palavras.

Nem um quarto ou uma escola com as janelas fechadas conseguem
       comungar comigo,
Só os simples e as crianças o fazem melhor.

O jovem mecânico está mais próximo de mim, conhece-me bem,
O lenhador que traz consigo o machado e o cântaro leva-me consigo
       durante todo o dia,
O rapaz da quinta, enquanto ara o campo, sente-se bem ao ouvir a
       minha voz,
Nos navios que navegam, navegam as minhas palavras, vou com os
       pescadores e marinheiros e amo-os.

É meu o soldado acampado ou em marcha,
Na noite anterior à batalha iminente muitos me procuram e não os
       esqueço,
Nessa noite solene (talvez seja a última) vêm procurar-me os que me
       conhecem.

O meu rosto roça o do caçador quando se deita só no seu cobertor,
O condutor pensando em mim não se importa com os solavancos
       da carruagem,
A jovem mãe e a velha mãe compreendem-me,
A rapariga e a esposa pousam a agulha por um instante e esquecem
       onde estão,
Elas e todos os outros querem retomar o que lhes tenho dito.
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 Whitman, Walt. Folhas de Erva/ Leaves of Grass Vol I. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2002, pp 161-163 ( Tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Prefácio de Fernando Guimarães).
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