terça-feira, 1 de janeiro de 2019



   Uma voz que mal se ouve. Um rumor. Sopro a
inscrever novo alfabeto nos confins da memória, na
rijeza de um banco onde todas as tardes o esperavas,
enquanto os restaurantes entaipavam portas e janelas e
um jasmineiro, igualmente sem esperanças, dobrava-se
para dentro da tua infância, para dentro dessa dor que
não sabias definir nem localizar. Uma dor que persiste
ainda e que continuas usando para aplacar os vestígios
de um absoluto que a terra te roubou. Ah, sempre essa
voz que mal se ouve! A que ficou, para além de uma
qualquer presença física, para além do rigor da própria
morte. E este abandono, esta serenidade à mistura com
uma luz difusa, que, sem que saibas como, acaba sempre
por te atirar para os trilhos do poema.
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  Mateus, Victor Oliveira. Aquilo que não tem nome. S/c.: Coisas de Ler Edições, 2018, p 18.
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