quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019


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Algo impronunciável. Diz-me o teu nome. Diz-me o
silêncio que revela não os factos, mas a ordem. Solta
o espírito da criança aprisionada.
A corda está na máxima tensão. Solta-a tão rápido que
o instante fenda o círculo e te liberte do teu centro.

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Toda a arte, como o amor, é uma forma de concentração
que sucede à dispersão - concentra o real num só ponto.
Ao concentrar, separa, destaca uma nota doTodo. Mas o
que acontece com o amor também acontece com o ódio.

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"Se um homem faz da vida um uso artístico, o cérebro
passa a ser o seu coração"

                                       Mozart

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Só quem arrisca a vida é verdadeiramente livre. Tudo o
mais é produto da retórica do medo. (Tirem-me o medo
daqui e toda a história humana se vira de pernas para o ar.)
Esta retórica acaba por se alimentar de si própria, torna-se
auto-suficiente, e alimenta legiões de palradores - alguns
até fazem disso profissão. Por isso, entendo Baudelaire
quando nos ensina que só há três existências autênticas: a
do guerreiro, a do santo e a do poeta. A poesia é acção, tal
como a guerra e a santidade.
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   Silva-Terra, Manuel. Medula. S/c.: Editora Licorne, 2018, p 30.
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