terça-feira, 30 de abril de 2019


                       Partiste


Num dia peninsular, te foste embora.
Braço estendido sobre a extravagância da chuva,
navegas nas águas que a terra esconde,
enquanto naufragas no silêncio as palavras todas.
Que fazer agora com o vazio do tempo?

Que horizonte se deita na encosta de mim mesmo
e sufoca a vertigem da tarde,
como o verão calcinando o restolho inerte?

Resta-me o que foste e o que fui contigo,
pássaro na copa dos sonhos
ou lucidez tresmalhando a bruma fria.
Pelo menos, era
(e agora, como ser no deserto de ti?);
pelo menos, dava a mim mesmo a sensação
de um futuro qualquer.

Se ao menos essa memória permanecesse,
se ao menos a memória fosse terra firme
onde aportar depois da viagem!
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  Paulo, Jorge. O rosto das metáforas. Fafe: Editora Labirinto, 2019, p 18 (Introdução de Victor Oliveira Mateus).
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