Que relação existe entre a inveja e a admiração? Não será possível que a inveja seja uma admiração mascarada, renegada? O invejoso admira o invejado, queria ser como ele, encontrar-se no seu lugar. Sente o seu fascínio como um amante desiludido, traído. O seu pensamento procura-o continuamente, como que hipnotizado, ainda que, depois, quando o encontra, se retraia perturbado, o queira esquecer e não consiga. Não será isto uma experiência típica de amor e de identificação recusada, renegada?
Estas observações estão na base de uma das mais fascinantes teorias da inveja, exposta por René Girard, segundo quem este sentimento nasceria imediata e espontaneamente da admiração.(...) Fascinante teoria, não é verdade? Mas demasiado simples. De facto criamos os nossos desejos, quer através da identificação, quer através da indicação. Trazemo-los mesmo dentro de nós, como aspirações, modelos ideais. Quando, na situação de inveja, experimentamos o desejo de ter aquilo que o outro possui, muitas vezes revela-se-nos apenas uma coisa que já desejávamos antes.
Então não há qualquer relação entre a admiração e a inveja, entre a identificação e a inveja? Não, há, por certo. Mas é uma relação de oposição e de exclusão.
(...) Os jovens sentem em relação aos seus cantores ou aos seus campeões preferidos um caloroso sentimento de simpatia, de admiração. É uma verdadeira identificação. O sujeito integra-se no outro, participa da sua alegria e das suas dores, participa na sua grandeza, no facto de ser extraordinário.
Nesta relação o sujeito já não se contrapões ao seu objecto de identificação admirada. Está totalmente a seu lado, enriquece-se através dele. Não se confronta com ele, não pensa poder ter uma coisa para si, um valor para si, que seja separado do outro. Se alguém o leva a fazer uma comparação, diz que não vale nada e que o outro vale tudo, mas não sofre com isso, está antes encantado que assim seja.
(...) Na inveja, pelo contrário, esta relação estiola, torna-se limitativa. A inveja aparece quando se dá a separação entre nós e o outro. (...) O outro assinala a barreira insuperável para a região do valor, que fica para além, inacessível. O outro faz parte dela, mas constitui a sua barreira em relação ao sujeito que fica condenado do lado de cá da fractura ou muralha que foi criada.
Assim, a experiência da inveja é a vivência de uma perda essencial e a descoberta angustiada e intolerável do seu próprio eu separado e privado de valor, do seu próprio ser no exílio, em espera inútil perante a porta fechada do ser.
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Alberoni, Francesco. Os Invejosos. Venda Nova: Bertrand Editora, 1997, pp 43-48.
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