terça-feira, 6 de agosto de 2019


                 Deserto Portátil


Este é o eterno e oco deserto que se não pode dizer,
as minhas palavras colam-se nos papéis de quanto
me posso esquecer e guardar nas gavetas da cabeça,

ocioso é o silêncio onde não cabe senão a derradeira
pedra do olhar que consome a tarde, espreitar a tarde
pelo buraco da fechadura, vestes o casaco de fogo,

finges, como sempre, que não és mais ninguém ou nada,
nem o nome de deus, esse eterno fogo, se pode dizer aqui,
perde-se o seu nome nas duras e tão longas linhas do rosto,

esta é a ausência das cores da carne, o sol e a areia
por entre os dedos, nos ossos, por entre as sombras
dos papéis queimados, amanhã não nos conheceremos

nem se julgarão das causas de quem devagar vier.


 Moutinho, José Viale. Inóspita paisagem. Fafe: Editora Labirinto, 2019, p 29.



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