quarta-feira, 1 de abril de 2020


                                   Estampa


Duvido que saiba ser belo, forçar a estirpe
daqueles que exigem o olhar fixo,
a expressão intensa, os modos dramáticos,
intransigentes e ferozes,
e não fico bem nas fotografias.
Duvido que alguém me decida apenas pela repulsa,
muito menos pela adulação,
mas sou excessivo.
Partilhamos também os gestos
com que marcamos o entusiasmo das conversas,
mas nada mais.
Além de um esforço, nunca te vi abrir um sorriso
nem o adivinho no meu,
mas no de homens belos e intensos, pouco bondosos,
que suprimem a rigidez da força
enquanto inventam a textura do alívio.

No meu sorriso
trago a nudez ao rosto -
um punho fechado que não sei se abre
ou aperta com mais força.

Ensina-me a suplantar o grotesco
com o rasto da certeza.


 Madalena, Emanuel. Sob a forma do silêncio. Porto: Porto Editora, 2019, p 57.
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