terça-feira, 9 de junho de 2020


1º Coveiro:
(...) Esta caveira, senhor, a caveira que estais a ver, é a de Yorik, o bobo do rei.

Hamlet:
Esta caveira?!

1º Coveiro:
Essa mesma.

Hamlet:
Deixa-ma examinar. (Pega na caveira.) Pobre Yorik! Conheci-o, Horácio. Era um rapaz com muita graça, duma alegria infinita e dum espírito vivíssimo; trouxe-me muitas vezes às cavaleiras. E agora, que horror causa à minha imaginação! O meu coração dilata-se! Aqui pendiam os lábios que eu beijei tanta vez! Que é feito neste momento dos trocadilhos? das cabriolas? das canções? desses relâmpagos de gracejos que levantavam em toda a mesa uma tempestade de gargalhadas? Nem uma só facécia ficou para vos rirdes da vossa própria carantonha! A boca completamente fechada! Ide agora dizer ao gabinete da rainha que por mais caio que ponha no rosto há-de ficar com uma cara assim. Fazei-a rir dizendo-lhe isto! Oh! Horácio, diz-me uma coisa, peço-te.

Horácio:
Que é, senhor?

Hamlet:
Acreditas que Alexandre tenha esta mesma cara na cova?

Horácio:
Exactamente a mesma...

Hamlet:
E que cheire assim? Fu!... Fu!... (Pousa no chão a caveira.)

Horácio:
Absolutamente, meu senhor.

Hamlet:
A que grosseiras aplicações podemos descer, Horácio! A nossa imaginação não conseguirá facilmente seguir a viagem das nobres cinzas de Alexandre, até vê-las a tapar o buraco dum tonel!

Horácio:
Essa observação é muitíssimo subtil.
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 Shakespeare, William. Hamlet, Acto V, Cena I. Porto: Lello & Irmão Editores, S/d., pp 233-235 (Tradução de Domingos Ramos).
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Notas:
1.- Neste excerto, Hamlet, para ilustrar a fragilidade e a efemeridade da vida e das aparências serve-se da pessoa de Alexandre, o Grande: aquele que foi dono de todo o mundo conhecido, hoje não passa de um montão de cinzas a tapar o buraco de um tonel.
2. - A foto deste post é de uma das interpretações de Hamlet levada a cabo por Benedict Cumberbatch, enquanto que a do post abaixo é de Ethan Hawke numa versão cinematográfica desta peça.
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