(...) vi reaparecer um Conrad envergando um elegante uniforme que deveria ter custado um dos últimos diamantes da tia (...). Conservava uma inocência de criança, uma doçura de rapariga, e aquela valentia de sonâmbulo com que outrora trepava para o dorso de um touro ou duma vaca (...). Logo à primeira vista, reconheci que a sua vida tinha parado na minha ausência; custou-me mais ter de admitir, a despeito das aparências, que o mesmo se passava comigo. Longe de Conrad eu vivera como em viagem. Tudo nele me inspirava uma confiança que de futuro nunca me seria possível depositar noutra pessoa. A seu lado, o espírito e o corpo não podiam deixar de estar em repouso, tranquilizados por tanta simplicidade e franqueza, e por isso mesmo livres para se ocuparem do resto com o máximo de eficácia. Era o ideal companheiro de guerra, assim como tinha sido o ideal companheiro de infância. A amizade é, acima de tudo, certeza - é isso o que a distingue do amor. É também respeito, e aceitação total dum outro ser.
.
.
Yourcenar, Marguerite. O Golpe de Misericórdia. Lisboa: Editora Arcádia, 1978, pp 40-41.
.
.
.