Num perverso, a integração da lei e o seu corolário, o interdito, não são significantes. O não não tem sentido para ele. É o que explica que o perverso queira tudo, inteiramente tudo e imediatamente. A castração e a frustração não funcionam com ele; ele mantém-se em evitamento dessas duas noções que são fundamentais a toda a vida social (...). O perverso tem decisões firmes relativamente ao seu prazer e ao seu gozo pessoal, que ele esconde, num primeiro momento, já que ele despreza aquele que não é objeto do seu prazer. O que nos leva a pensar que é possível, neste ponto em que estamos da nossa reflexão, propor uma segunda hipótese: o perverso é incapaz de amor ou não tem muita capacidade de amar o outro. A sua oblatividade está enfraquecida, ele não pode projetar num outro suficientemente qualidades que pudessem tornar esse outro amável aos seus olhos.
A leitura muito negra da existência que o perverso narcísico tem deixa supor que uma forte espera durante o seu desenvolvimento nunca chegou a ser atendida ou que algo se quebrou dentro dele, parando assim um processo que poderia ter sido mais harmonioso num investimento no mundo e no outro. A relação objetal do perverso parou a meio caminho antes de conseguir integrar que pode existir algo de belo e de bom no outro. Ora é esse movimento que induz o respeito pelo outro.
Se o perverso narcísico não consegue projetar qualidades no outro, é porque, sem dúvida, no mais fundo de si ele se detesta, o que conduz a um profundo nó depressivo não elaborado e a uma convicção quase delirante de que não existe nada de bom neste baixo mundo. O perverso narcísico parece não ter nenhuma capacidade de positivar. Nó depressivo profundo, incapacidade de positivar, convicção quase delirante: eis-nos próximos da psicose. (...) o perverso é aquele que tenta escapar à psicose, hipótese que abre pistas terapêuticas onde a moralização e o ajuizar, que não têm qualquer efeito sobre este tipo de indivíduos, não devem ter lugar. Esta hipótese implica que o perverso não tem um suficiente conhecimento da existência do outro, daquilo que esse outro pode fazer ou não fazer. O mundo exterior surge-lhe vacilante, apenas contam o seu prazer pessoal e o seu gozo, mas a organização perversa é muito rígida...
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Barbier, Dominique. La Fabrique de l'homme pervers. Paris: Odile Jacob, 2017, pp 68-71 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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