Tão triste que isto é mesmo se a alva chega.
Ouço os primeiros gorjeios da carriça,
Ouço o trinado dos melros. O guarda-rios
Canta. E eu sozinho aqui, transido deste frio,
A preparar a erva que o gado reclama,
Ansioso por um púcaro de chá que me alente
A alma, da gelada geada que à minha volta grassa.
Fose eu um fantasma e estaria a salvo.
Fosse eu um espectro e estaria certo
De não ter que me proteger do frio que faz,
Da ameaça do vírus que anda à solta.
Digo 'bom-dia' à vizinha que ontem me ignorou.
Ela olha-me nos olhos e abre um sorriso.
Pede-me que lhe desculpe o pavor que mostrou.
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Amadeu Baptista. poeira escura. Leça da Palmeira: edições Eufeme, 2021, p 43.
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