terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

 

Tão triste que isto é mesmo se a alva chega.

Ouço os primeiros gorjeios da carriça,

Ouço o trinado dos melros. O guarda-rios

Canta. E eu sozinho aqui, transido deste frio,


A preparar a erva que o gado reclama,

Ansioso por um púcaro de chá que me alente

A alma, da gelada geada que à minha volta grassa.

Fose eu um fantasma e estaria a salvo.


Fosse eu um espectro e estaria certo

De não ter que me proteger do frio que faz,

Da ameaça do vírus que anda à solta.


Digo 'bom-dia' à vizinha que ontem me ignorou.

Ela olha-me nos olhos e abre um sorriso.

Pede-me que lhe desculpe o pavor que mostrou.

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 Amadeu Baptista. poeira escura. Leça da Palmeira: edições Eufeme, 2021, p 43.

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