Castela
Sopram sobre Castela as flores das laranjeiras,
crianças pedem esmola
Conheci o meu amor sob uma laranjeira
ou seria uma acácia
ou não seria ele o meu amor?
Li sobre estas coisas, depois sonhei-as:
pode o despertar recuperar o que me aconteceu?
Os sinos de San Miguel
tocando à distância,
por entre sombras, o cabelo dele, de um louro pálido
Sonhei estas coisas,
quer isso dizer que elas não aconteceram?
Que têm de acontecer no mundo para serem reais?
Sonhei tudo isto, a história
tornou-se a minha história:
ele deitou-se a meu lado,
a minha mão percorreu ao de leve a pele do seu ombro
Meio-dia, depois o cair da noite:
à distância, o som de um comboio
Mas aquilo não era o mundo:
no mundo, as coisas aparecem com um fim, absolutas,
a mente não as pode reverter
Castela: freiras que caminhavam aos pares por jardins escuros.
Fora dos muros de Anjos Sagrados
crianças a pedir esmola
Quando acordei, chorava,
não tem isso realidade?
Conheci o meu amor sob uma laranjeira:
só me esqueci
dos factos, não da ilação -
e algures havia crianaças, a chorar, a pedir esmola
Sonhei tudo isto, dei-me
por completo e para sempre
e o comboio devolveu-nos
primeiro a Madrid
depois ao País Basco
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Louise Gluck. Vita Nova. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 2021, pp 63-65 (Tradução de Ana Luísa Amaral)..
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