A saudade era outra.
As praias corriam livres de gaivotas
para o fundo do mar.
Só amanhecia tarde.
Tudo era muito tarde para nós,
vivíamos juntos sem o sabermos.
*
O canto da ave
aterra no meu ombro
polido, entre a concreta confusão
os olhos vendados avançam
para mais uma hora chegada
ao lume das conversas.
*
A noite na terra:
tenho os materiais todos reunidos,
as trevas do trabalho — lápis, aparas,
as réstias do desengonçado estaleiro.
O ecrã baço faz destilar a pobreza do verbo.
As parcas notícias no televisor submarino
de uma pacata vila costeira —
música de câmara para a morte que tarda.
.
.
Frederico Pedreira. Coração Lento. Porto: Assírio & Alvim, 2021, pp 24-25.
.
.
.