Junto ao cais aprendi alguns dissabores,
por exemplo: a altura em que atento
à sombra do copo de cerveja
me falaste com olhos húmidos
de uma tarde de pura liberdade
passeando por cidades desertas.
Não desaprendi a memória, não:
guardo-a comigo para usos modernos.
Soube esperar melhor alguns momentos
de pouca importância, já não anseio
sentado no espelhado colo da noite.
Na verdade, perdi-me a bom perder
de todos os enredos que me trazes agora à mesa
como um mapa nervoso de veios marinhos.
Dois amigos encontram-se uma, duas vezes,
para sempre perdidos da memória que foi.
Alguém, quiçá um de nós, se lembrará de dizer:
«É bom, ainda é bom estar aqui.»
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Frederico Pedreira. Coração Lento. Porto: Assírio & Alvim, 2021, p 64.
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