quarta-feira, 26 de abril de 2023
domingo, 23 de abril de 2023
sábado, 22 de abril de 2023
quinta-feira, 20 de abril de 2023
terça-feira, 18 de abril de 2023
segunda-feira, 17 de abril de 2023
sexta-feira, 14 de abril de 2023
Estás equivocado
si atesoras fortuna,
se consagras tus días al ahorro
precaviendo un mañana
de natural incierto.
Acumulas riqueza
de una materia sin valor alguno.
No hay posesión que valga
lo que vale un instante
de una vida vivida en plenitud.
No cuentes las monedas. No avaricies
otra cosa que el tiempo
que fluye entre tus manos.
Es la felicidad
solo cuanto se escapa y es breve y nada.
Antonio Manilla. Lenguas en los árboles, Antología poética (1997-2022). Granada: Aliar Ediciones, 2023, p 85.
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quarta-feira, 12 de abril de 2023
domingo, 9 de abril de 2023
O livro O anjo entre o deserto e o não,
de Alexandre Bonafim, insere-se numa temática que tem, ao longo dos séculos,
percorrido a cultura ocidental: o deserto enquanto apelo e fonte de saber e de
transmutação do indivíduo que ousa vislumbrá-lo e percorrê-lo. Contudo, essa
persistência temática em diversos autores não conduz a uma homogeneização dos
resultados, já que cada olhar enforma de uma experiencia vivida específica e de
um sistema de valores e de crenças individual; poderemos, eventualmente,
encontrar zonas que se tangenciam nas diversas abordagens, mas sem que a
originalidade de cada uma delas seja posta em causa.
O deserto em Alexandre Bonafim apresenta, assim,
algumas características fundamentais: encontra-se associado ao dizer (O deserto
diz / com simplicidade / a luz); (Dizer o verdadeiro poema/ é sempre ter a
língua amputada); relaciona-se com a interioridade e a ação (Dentro dos meus
pulsos/ um deserto desatou a ira/ dos cavalos selvagens); é apanágio de poucos:
daqueles que decidem empreender a aprendizagem poética enquanto técnica
linguística e que ousam trilhar esse caminho.
O percurso intentado pelo poeta não é coisa pacífica
(Nada no mundo pode abrigar/ essa dor estrangeira/ extraterrena/(…) que perfura
meus ossos/ meus sonhos), é, por conseguinte, não só uma senda eivada de obstáculos,
por vezes tumultuosos, mas sobretudo uma aprendizagem que recusa todo o tipo de
solipsismo; afirma-se antes como um acrescentamento do eu mediante uma relação
dialógica com o meio e com o outro, e são estes os dois últimos vetores o
fundamental deste "O anjo entre o deserto e o não", aliás, tal como aparecem em
grandes escritores de outras nacionalidades. Empreendendo uma dialética em
relação a esse vazio do deserto, o poeta acrescenta ainda a forte presença do
outro, metaforicamente já anunciado no título (anjo): presença desejada,
presença amada, mas muitas vezes também presença como germe de mágoa e de
desalento. A aprendizagem dos afetos é, neste livro e indubitavelmente, uma
apreensão não resultante de um qualquer delírio ou de uma relação fantasiada,
mas de uma constante interiorização obtida através de um complexo e contínuo
diálogo com o mundo natural, com a palavra e com o outro, outro esse, por
vezes, sob a figuração de uma forte proximidade afetiva.
Dialeto
Teu rosto
jorro de uma palavra
na plenitude
de um idioma cego
(...)
Teu rosto
orquídea
melancólica
vermelha
como a fuga
dos garças
rumo ao sul
Há, no entanto, neste livro, uma deliberada urdidura
da ambiguidade, que remete o leitor, em dadas circunstâncias, para uma interconexão
de referentes, como se estivéssemos ante uma encantada casa de espelhos, onde o
poeta tanto pode estar a falar de um outro exterior a si, como de si próprio,
como ainda do cume absoluto da sua arte: o dizer poético, e caberá ao leitor,
recusando todo o tipo de passividade, aceitar o desafio e fazer-se cúmplice
desta aventura poética, deste deserto; um exemplo disto a que poderei chamar
uma ambiguidade triádica poderá ser encontrada no poema Cigano:
Ele caminha entre o silêncio e o não
Nos lábios o veneno
a rosa vermelha
esmagada pela melancolia
Ele sempre busca a ardência
a caricia de um delicado algoz
Outra figuração do deserto de Bonafim pode ser
encontrada na sua maleabilidade estrutural. Dito de outro modo, este deserto
pode surgir nos momentos mais inesperados e nos contextos mais imperscrutáveis:
na infância, no quotidiano, na afetividade (Deitei-me sobre tua pegada// De mim
restou-me apenas/ o leve contorno do teu não), na memória (Entre meus sonhos/
queima o que foi/ o que não foi/ como a faca/ a perfurar na cicatriz/ uma nova
ferida). Poder-se-á dizer deste deserto o que o filósofo Michael Foessel disse
da Noite : “De fato, nem todos os eclipses são astrais: a noite pode surgir em
contextos imprevistos e, às vezes, simplesmente porque os indivíduos decidem
isso “ (1). Também o deserto de Alexandre Bonafim não se deixa espartilhar por
quaisquer mapas ou cartografia, ele é uma instância muito mais lata e rica; é
essa parcela do Ser cujo atravessamento, por vezes sofrido, trará ao poeta uma
nova e enriquecida aprendizagem do Todo. Este tipo de hermenêutica do deserto
pode ser encontrado também em muitos dos poetas portugueses – e foram vários! –
que nas últimas décadas poetaram sobre o tema, veja-se o caso de Isabel
Cristina Pires (2) – no poema Mapa-Múndi: (No mapa do mundo/ há um lugar/ onde
ninguém foi./ Dói-nos/ esplendidamente.) e no poema Este Tempo Rápido do Mundo:
(Este tempo rápido do mundo/ rouba-nos o corpo à dança sem relógio/ e dói no
coração comido pelo nada./ Leva-nos consigo para dentro da aridez). Em ambos os
casos, quer a poetisa portuguesa, quer o poeta brasileiro, filiam-se num
continuum onde o metapoético se mescla com uma espinhosa aprendizagem,
atente-se, a título de exemplo, às palavras de Alexandre Bonafim:
Poética
Poesia se faz
com arame farpado
contra a carne crua
contra a pele nua
Todavia, apesar dos dois poetas perfilharem uma
conceção abrangente do deserto, há na escrita de Cristina Pires um pertinaz
modo de olhar uma temporalidade específica e um cosmopolitismo não detetáveis
em Bonafim, que opta, antes, por uma sensualidade, um erotismo e um alto
lirismo raros na poesia contemporânea escrita em português, aliás, não é por
acaso que ele no seu livro utiliza uma epígrafe de Dora Ferreira da Silva: dois
versos dessa poeta maior que, no século XX, escreveu em português.
Neste livro de Alexandre Bonafim, o deserto desemboca
num enraizamento quadrifendido do caminhante, simbolizando este o humano no seu
passar pelo aqui: o amor-paixão à boa maneira de Stendhal como pode ser visto
no poema Teu abraço; o alcançar de uma regenerada voz poética detetável no
poema Poética; uma recuperação do corpo (do outro amado? Do texto? De ambos?)
como assinala o poema Orgasmo e, finalmente, uma apreensão, em lucidez e verdade,
do eu:
Palavra
secreta
Eu sou o homem dos olhos impuros
mas minha boca pode ver o anjo de seis
asas
Minha boca pronuncia a inocência
do mais ardiloso vício
Eis
a aprendizagem feita através do deserto de Bonafim! Um acolhimento, como acima
se disse, feito em clarividência e autenticidade: do amor, do corpo, da poesia
e do humano. Este deserto demarca-se, portanto, de tantos outros, como o de
Buzzati (3), do qual tudo se esperava e de onde nada de importante vinha, e que
mais não era do que uma mera fronteira de ansiosas esperas: de rituais, de
envelhecimentos e mortes; o deserto de Alexandre Bonafim é, ao invés, uma
mescla de territorialidade e de experiências passionais e ontológicas.
Em O anjo entre o deserto e o não,
numa cuidada urdidura de vaivém, num luminoso filigranado de imagens e de
conseguidos processos de metaforização, Alexandre Bonafim dá-nos o fruto do seu
apurado cismar poético: uma constelação, onde, como já referi, o amor, o corpo,
o humano e a poesia se entrelaçam.
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Notas
(1) Foessel, Michael. La Nuit, vivre sans témoin. Paris:
Éditions Autrement, 2017, p 156.
(2) Pires, Isabel Cristina. Deserto Pintado. Lisboa:
Editorial Caminho, 2007.
(3) Buzzati, Dino. O Deserto dos Tártaros. Barcarena:
Marcador Editora, 2014.
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