Talvez o poeta não devesse arder na neve...
Houve um tempo em que cada coisa batia certa com cada coisa. Cada canto de folha acertado com cada canto. Havia um canto para cada pérola que caía no mar. Uma palavra era um vapor tão leve que soprar nesse silêncio fazia círculos no mar. O ar era tão limpo que o azul se vinha ajustar ao azul e a linha do horizonte era uma língua ateada nas palavras que sempre nasciam desse peito de luz. A pele das coisas era tão fina que os fios do texto se abriam para entrar a mansa luz do olhar. A paisagem cabia numa mão e um salto de bailarina fazia deslocar o mundo para um outro plano, onde as rosas nasciam só de vê-las.
Nesse tempo, meu amor de nenhures, ardiam nos jardins fogos que ateavam sem que neles as asas da pele tingissem de azul os campos das borboletas e os aromas frescos da lavanda. Aromas de jardins de "jadis", antes mesmo de nascer na pele grossa dos muros essa verdura toda que envolve a espessura do muro e faz do verde o bosque onde a minha alma respira, ainda.
Maria Sarmento. Alma D' Hybris, Tomo I, Símile e súmula (de jardins). Porto: Edições Sem Nome, 2022, p 32.
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