quinta-feira, 17 de agosto de 2023


Claro que sou seu amigo, homem: mas, apesar de todas as amizades, sempre na vida estamos sozinhos; o que é mais grave, mais doloroso, exactamente como o que é mais belo, passa-se apenas connosco. Entre um homem e outro homem há barreiras que nunca se transpõem. Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor: o que temos pelos outros. De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos. E é por isso talvez que a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos; que são sempre voz activa, não passiva.
 Quanto mais o Luís se sentir só, melhor irá; mas há duas espécies de solidão: uma, que vem de  não acompanharmos os outros, outra que vem de nos não acompanharem eles; a segunda é que vale: esteja sempre com os homens e faça o possível porque eles não estejam consigo. Ser companheiro vale mais do que ser chefe. (...) a sua superioridade, se existir, deve ser como um bálsamo nas feridas, deve consolá-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes é possível, não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja. Vai ser esta para você a mais difícil de todas as artes (...) Para o pai não existe a sua própria altura, existe a pequenez dos filhos; e por isso os pais se curvam para eles, e os acariciam e os tomam nos braços, e já são grandes, Luís, e descobrem, erguidos ao alto, os horizontes que o pai nem sonha. (...) Quem tem a consciência de que é alto e o afirma a si próprio e aos outros com orgulho, efectivamente não o é, porque nem sabe o que é ser alto; que noção poderá ter de altura o que só olha para baixo? Picos de montes, rastos de nuvens, eis o que vale.
Há muitos meios, amigo Luís, em que é muito difícil não tomar grandes ares, ou porque tudo à volta é bastante inferior ou porque os muros do orgulho se levantam como num castelo de defesa. Mas serão, de facto, todas as culpas do ambiente? Não haverá nos homens as fraquezas que se reconhecem no meio?
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  Agostinho da Silva. Sete cartas a um jovem filósofo, seguidas de outros documentos para o estudo de José Kertchy Navarro. Almada: Ulmeiro, 1995 - 3ª Edição, pp 72-73.
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