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14 de outubro de 1994, seis anos após o anúncio do seu Prémio Nobel, o escritor
egípcio Naguib Mahfouz, de oitenta e dois anos, saiu de casa, dirigindo-se a pé
ao seu café favorito para a reunião semanal com os seus colegas escritores e pensadores.
Enquanto caminhava houve um carro que começou a rodar lentamente ao seu lado.
Ele disse mais tarde que pensara que era provavelmente um fã. Não era um fã.
Era um homem que saltou do carro e esfaqueou repetidamente Mahfouz no pescoço.
Mahfouz ficou por terra e o seu atacante fugiu. Felizmente, o grande escritor
sobreviveu ao ataque, mas foi um caso de “terrorismo cultural” do qual tinha
previamente acusado os fundamentalistas islâmicos egípcios. Um ataque deste
tipo pairava há muitos anos sobre a cabeça de Mahfouz. (…) tinha sido proibido
por “ofender o Islão”. Pelo menos um mulá ativista fanático tinha declarado que
Mahfouz merecia morrer. Descobriu-se uma lista de condenados à morte islamita
na qual ele figurava, quase à cabeça.
(…)
Sobreviveu, e viveu mais doze anos, com a permanente proteção de guarda-costas
que antes tinha recusado. Os ferimentos foram de tal ordem que só conseguia
escrever uns minutos por dia.
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Salman
Rushdie. “Faca”. Alfragide: D. Quixote, 2024, pp 179-180.
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