sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Pré-publicação (Texto que me foi pedido por um autor que está a organizar uma obra subordinada ao tema "Tristeza". Penso que essa obra sairá em breve. Ora, eu que nunca percebi porque é que a felicidade tem de ser sinónimo de alegria, de balbúrdia, e que já vi tantas pessoas serem felizes de uma forma calma, branda e, até mesmo, triste, enviei este texto... pois pode-se ser feliz de muitos modos.)
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                                       Solidão incompleta
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    Solidão incompleta, prado imenso onde as oliveiras se retorcem em preces que ninguém escuta e onde o silêncio, embalador, imprime os brilhos da infância no rastro inapagável dos mortos. Casa longínqua com janelas entaipadas e uma porta abrindo-se para o alto, casa para o desacerto das crianças, entre cavalos de papelão e pássaros sem canto nem asas. Solidão incompleta com suas bermas floridas, mas só às vezes, para os animais desgarrados aceitarem a inexistência dos caminhos, enquanto eu, avesso aos anúncios das gargalhadas açaimadas, debruço-me para o rumor das frases -irrompendo a medo - no branco onde me desenho e persisto. Solidão incompleta com assomos de uma memória que resiste, porque, vendo bem, toda a felicidade é triste.
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 © Victor Oliveira Mateus
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