segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

AVISO
Do poema que se segue poder-se-ão intuir palavrões, pelo que este post é desaconselhado a leitores que não desejem tal tipo de literatura. A rubrica "De Escárnio e Maldizer" deste blogue aglutina poesia erótica, de escárnio, obscena e de maldizer que a tradição escreveu em língua portuguesa, mas que se encontra, por motivos óbvios, menorizada pelos estudiosos. Tal poesia é, contudo, um manancial de informação sociológica, moral e linguística. O poema que se irá seguir tem como ponto de partida o escândalo que envolveu um dos conselheiros do rei e  então governador civil de Lisboa, quando lhe armaram uma cilada política e ele foi encontrado na cama com um soldado de infantaria (Cf. Eduardo Pitta in Introdução à Poesia de António Boto, p 9 ) .  Esse episódio político-sexual esteve na base do romance O Barão de Lavos (1891) de Abel Botelho e do poema A Torre de Babel de Guerra Junqueiro, este, apesar da grande intimidade que tinha com D. Carlos, não perdia a oportunidade de visar a Monarquia. Deste episódio Abel Botelho aproveitou o enredo e Junqueiro as potencialidades do dito soldado.
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 A Torre de Babel ou A Porra do Soriano


Eu canto do Soriano o singular mang.lho!
Empresa colossal! Ciclópico Trabalho!
para o cantar inteiro e para o cantar bem
precisava de viver como Matusalém:
Dez séculos!
Enfim, nesta pobreza métrica
cantemos essa porra, porra quilométrica,
donde pendem co..ões que dão a ideia vaga
das nádegas brutais do Arcebispo de Br.ga.
Sim, cantemos a porra, o ca..lho iracundo
que, antes de nervo cru, já foi eixo do Mundo!
Mas do Leviatã! Iminência revel!
Estando murcho foi a Torre de Babel!
Ca..lho singular! É contemplá-lo
É vê-lo
teso! Atravessaria o quê?
O Sete-Estrelo!!
Em Tebas, em Paris, em Lagos, em Gomorra
juro que ninguém viu tão formidável porra.
É uma porra, arquiporra!
É um cara..ão  atroz
que se lhe podem dar trinta ou quarenta nós
e, ainda assim, fica o ca..lho preciso
para fod..r, da Terra, a Eva no Paraíso!!
É uma porra infinita, é um ca..lho insonte
que nas roscas outrora estrangulou Laconte.

Oh ca....lho imortal! Oh glória destes lusos!
Tu podias suprir todos os parafusos
que espremem com vigor os cachos do Alto Douro!
Onde é que há um abismo, onde há um sorvedouro
que assim possa conter esta porra do diabo??!
O Marquês de Val.das em vão mostra o rabo,
em vão mostra o fundo o pavoroso Oceano!
- Nada, nada contém a porra do Soriano!

Quando morrer, Senhor, que extraordinária cova,
que bainha, meu Deus!, para esta porra nova,
esta porra infeliz, esta porra precita,
judia errante atrás duma crica infinita??
- Uma fenda do globo, um sorvedouro ignoto
que lhe há-de abrir talvez um dia um terramoto
para que desague, esta porra medonha,
em grosso borbotões de clerical lang nha!!!

A porra do Soriano é um infinito assunto!
Se ela está em Lisboa ou em Coimbra, pergunto:
Onde é que ela começa? Onde é que ela termina,
essa porra que, estando em Braga, está na China,
porra que corre mais que o próprio pensamento,
que porra de pardal e porra de jumento??
Porra!
Mil vezes porra!
Porra de bruto
que é capaz de fo.er o Cosmos num minuto!!!
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 Junqueiro, Guerra. Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, séculos XVIII-XIX. S/c.: Edições Afrodite, 1975, pp 342-344.
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