segunda-feira, 10 de junho de 2019


     Ode ao olor da lenha


Tarde, com as estrelas
entreabertas no frio
abri a porta.
                  O mar
galopava
na noite.

Qual mão
da casa escura
saiu o aroma
intenso
da lenha guardada,

O aroma era visível
como
se a árvore
estivesse viva.
Como se ainda palpitasse.

Visível
como um vestido.
Visível
como um ramo quebrado.

Andei
dentro
da casa
rodeado
por aquela balsâmica
escuridão.

Fora
as pontas
do céu cintilavam
como pedras magnéticas
e o olor da lenha
tocava-me
o coração
como uns dedos,
como um jasmim,
como algumas lembranças.

Não era o olor agudo
dos pinheiros,
não,
não era
a ruptura na pele
do eucalipto,
não eram
tão-pouco
os perfumes verdes
das vinhas,
mas
algo mais secreto,
porque aquela fragrância
uma única,
uma única
vez existia,
e ali, de tudo o que vi no mundo,
na minha própria
casa, de noite, junto ao mar de Inverno,
esperava-me ali
o olor
da rosa mais profunda,
do coração cortado da terra,
algo
que me invadiu como uma onda
desprendida
do tempo
e se perdeu em mim
quando eu abri a porta
da noite.
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 Neruda, Pablo. Antologia. Lisboa: Relógio D' Água Editores, 1998, pp 329-333 (Tradução de José Bento).
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