Duas fotografias
Uma fila de meninos na
linha d’água.
Uma onda deixou-lhes à
volta dos pés
um enrugamento de reflexos.
Parecem felizes. Ousados
mesmo!
Apenas um, o segundo a
contar da direita,
prende o meu olhar:
parece-me assustado,
frágil, as mãos – cruzadas
à frente - seguram algo
que não identifico,
enquanto os cabelos,
luminosos, não lhe
disfarçam o esgar do medo.
A outra é posterior (talvez
uns 15 anos depois):
parte de uma cabeça debruçada
sobre uma cidade
do sul da Europa, contudo,
reconheço os olhos,
os mesmos daquele menino,
que, um dia,
se começou a perder numa
praia qualquer,
perante a indiferença do
mundo e a inépcia
dos seus. Os olhos, agora baços e virados para dentro,
estão quase mortos, entre
uma barba de 2 dias
e um boné de marca, como
convém àquela idade.
Que teria acontecido entre
a primeira
e a segunda fotografia? Em
que local
se avolumou o desacerto?
Quem não acudiu
àquela ferida: pungente,
extrema?
Perguntas que hoje me
adensam a culpa,
aqui, bem no centro do
poema.
,
,
Mateus, Victor Oliveira. Gazeta de Poesia Inédita ( https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/victor-oliveira-mateus-duas-131415 ), 2019/9/29.