domingo, 8 de dezembro de 2019


                     As moscas


Sorvem restos de açúcar
as moscas congregadas
pelo cheiro do poeta
no recanto do café.

Um poeta nunca morre
completamente.
É a compensação
por ter passado a vida
meio morto.

As moscas acodem
por causa da doçura
que sua amargura verte,
a doce melancolia
da paixão perene
que o ata e desata
em versos de violência e paz,
a golpes de amor e de espada.

As moscas sabem.
É doce a maldição
que do poeta mana,
é o sangue, é o suor,
é a lágrima que o associal
verte para redimir
a perversa sociedade.
É o cativeiro vital
de quem acode
chorar o que outros
entregam à morte.

Por isso as moscas libam
a lírica miragem
daquele que as observa.
Imortais companheiras
que versificadas zoam
sobre um corpo a desalmar-se
no recanto de um café.
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 Salgueiro, Alfredo Ferreiro. S/c.: Poética Edições, 2019, pp 26-27.
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