Não vem do céu, não vem do mar, não condena o musgo, não dissolve os caminhos. É um vapor sincopado que nos comove a esperança, enchendo o peito com uma enciclopédia em branco, subindo-nos à cabeça, como um rasto de leopardo gasoso, descosendo as nódoas magnas, uma a uma, até ser aquela lança aguda, alfinete secreto de noiva, cravando a sílaba fértil, no buraco negro do silêncio.
(...) O coração quando não pode falar, diz à poesia que avance sem cão de guarda, que suba a muralha sem andaimes, que levite sobre a música, enchendo o peito, com a luz do que é preciso amar, mesmo que a cabeça, oh, pobre cabeça, ainda hesite, se corta ou não corta, o acesso às palavras, pela vela que escorre sem parar.
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Gonçalves, Daniel. Fluviário das horas póstumas. Ponta Delgada: Confraria do Silêncio, 2019, pp 109-110.
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