segunda-feira, 3 de agosto de 2020


                                   Romain Gary com a sua segunda mulher, a atriz Jean Seberg. 
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Aceitarei tanto melhor o seu diagnóstico quanto é certo que nunca contemplei o incesto à luz terrível da caverna e da danação eterna que uma falsa moral deliberadamente se aplicou a lançar sobre uma forma de exuberância sexual que, para mim, não ocupa mais que um lugar extremamente modesto na escala monumental das nossas degradações. Todos os frenesis do incesto me parecem infinitamente mais aceitáveis que os de Hiroshima, de Buchenwald, dos pelotões de execução, do terror e da tortura policiais, mil vezes mais amáveis que as leucemias e outras belas consequências genéticas prováveis dos nossos sábios esforços. Ninguém conseguirá jamais fazer-me ver no comportamento sexual dos seres o critério do bem e do mal. A funesta fisionomia de certo físico ilustre recomendando ao mundo civilizado que prossiga nas explosões nucleares é-me incomparavelmente mais odiosa que a ideia dum filho deitando-se com a própria mãe. Ao lado das aberrações intelectuais, científicas, ideológicas do nosso século, todas as da sexualidade despertam no meu coração os mais enternecidos perdões. Uma menina que recebe dinheiro por abrir as coxas ao público parece-me uma irmã de caridade e uma honesta despenseira de bom pão quando comparamos a sua modesta venalidade à prostituição dos sábios emprestando os seus cérebros à elaboração do envenenamento genético e do terror atómico. Ao lado da perversão da alma, do espírito, do ideal, a que se entregam esses traidores da espécie, as nossas lucubrações sexuais, venais ou não, incestuosas ou não, tomam, nos três humildes esfíncteres de que dispõe a nossa anatomia, toda a inocência angélica dum sorriso de criança.
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  Gary, Romain. A Promessa. Porto: Livros do Brasil/ Porto Editora, 2019, pp 69-70 (Tradução de Augusto Abelaira).
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