sexta-feira, 20 de agosto de 2021


Porque me entregou a natureza a esta criatura - não lhe chames escolha minha,
eu fui aventurada: 
por alguma pura gravidade da própria existência,
conspiração do ser!
Tínhamos quinze anos,
era a aula de latim, fim da Primavera e fim de tarde, a perifrástica passiva,
por qualquer motivo virei-me na minha cadeira
e lá estava ele.
(...)
e não peço desculpa porque como disse a culpa não foi minha, eu estava desprotegida
em face da existência
e a existência depende da beleza.
No final. 
A existência não pára
até chegar à beleza e seguem-se então todas as consequencias que levam ao final.
Inútil é interpor uma análise
ou fazer sugestões equívocas.
Quid enim futurum fuit si ... O que é que teria acontecido se, etc.
A voz do professor de Latim
subiu e desceu em ondas calmas. Uma perifrástica passiva
pode substituir o imperfeito ou o mais que perfeito do conjuntivo
numa condicional irreal.
(...)
Porque é que tenho
esta frase na cabeça
como se tivesse acontecido há três horas e não há trinta anos!
Estou desprotegida ainda, agora que é noite.
Quão certos eles estavam em temer os seus perigos.
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 Anne Carson. A beleza do marido. S/c.: não (edições), 2020, pp 63-64 (Tradução de Tatiana Faia).
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