Encantador de pássaros
Encantador de pássaros, tenho nos dedos o instante
dos rios em que se oculta um leve bater de asas,
a mestria do aceno reflectido no lago,
a chuva como a pele nas ledas madrugadas.
Um anelo de sedes irrompe-me dos lábios
reclamando da boca a memória da água,
o vitral de uma luz que venha e não se atarde
a derramar o sol entre cristais de orvalho.
Não sei como deter esta abstracta vontade de absorver o opaco,
segurar entre as mãos o adejar das asas,
beber a alquimia da lonjura do voo
predestinado à melodia da obscuridade
que carrega consigo o segredo das ásvores
e deixo-me ficar, como barro sedento,
ou vertigem de musgo segurando-se à laje,
observando o azul de um telhado sem casa
e o espanto da miragem crecendo num menino parado.
Fernando Fitas. Elegia dos Pássaros. Fafe: Editora Labirinto, 2021, p 58.
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