Escrevo estas recordações com um mal-estar que não tenho capacidade para definir. É que da maneira como as narro, elas surgem-me tão adulteradas e ridículas que seria bem melhor, nem que fosse por pudor, guardá-las para mim. E talvez sejam mesmo ridículas e não haja modo de lhes dar coerência e dignidade. A vida é assim. É por isso que as histórias que se contam nos bons livros são suportáveis: torcem a vida, inventam-na, até lhe darem verosimilhança e uns restos de grandeza. (...)
Mas já agora que comecei e me é urgente pôr cá fora uns entulhos para melhor os clarificar e esquecer, terei de ir por diante. Não volto a pedir-vos desculpa de ser tão desastrado nestas evocações.
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Fernando Namora. domingo à tarde. Lisboa: TVGuia Editora, 1996, p 59.
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