Coimbra, 19 de Março de 1943 - Faz pena. A gente elege entre trinta mil almas meia dúzia de indivíduos para conviver, e, afinal, chega perto deles a defender uma pureza política, uma pureza profissional, uma pureza sexual, e caem sobre nós mil argumentos dum pragmatismo dúbio, suspeito, que confrange. Longe de se receber estímulo para combater as tentações, encontra-se um escorregadoiro conivente para o abismo delas - É o meio - repito de cada vez, a tentar iludir-me. Mas é inútil vendar os olhos. Até o meio geográfico se pode vencer, quanto mais o meio social. Na luta contra as atraccções inferiores do ambiente humano é que está precisamente a beleza duma vida. O meio! Eles é que são o meio, assim perdidos, duplos, comprometidos com a podridão até à raiz.
Miguel Torga. Diário II. Coimbra: 4ª Edição, pp 144-145.
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