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e, ao mesmo tempo, não será através do olhar que as palavras precedem as
frases, pois jamais se viu alguém articular palavras antes de as organizar em
frases, por mais incorretas e coxas que possam ser? Os gramáticos, que expõem
doutrinalmente a ciência perfeita, ensinam primeiro o alfabeto, depois a
morfologia, depois a sintaxe; mas esta ordem didática é uma ordem “de
fabricação” que implica um longo trabalho anterior, e o que nesse trabalho de
elaboração inventiva aparece como “elementar”, não é um átomo alfabético –
fruto secundário de uma abstração, são “totalidades faladas”; a prova é que os
“métodos diretos”, cujo objetivo é acelerar a aprendizagem das línguas vivas,
esforçam-se por imitar a ordem viva e de criar o mais rapidamente possível essas
totalidades faladas graças à manipulação simultânea de todos os seres
gramaticais: substantivos, verbos, conjunções (…) porque nós não falamos apenas
com adjetivos, nem apenas com preposições, os métodos visam dar-nos desde o
princípio a totalidade da frase, e é posteriormente que a desdobram com uma
precisão crescente. Notemos, aliás, que as letras e as sílabas têm apenas
realidade “gráfica”; oralmente, quero dizer na vida da linguagem, não existem
letras, nem sílabas, mas relações, movimentos intelectuais que visam
exprimir-se; é que as palavras em-si comportam
algo mais do que uma realidade escrita ou visual; porque, na língua falada, as
palavras empregues isoladamente são elas mesmas quase sempre preposições
implicadas ou “gestos” verbais, quero dizer, ainda totalidades, mas totalidades
nas quais a distinção mental do sujeito, da cópula e do predicado não se
articulou em discurso: não assinalou Bergson nas palavras uma tendência natural
para se anastomosar em frases? (Cf. “Matiére et mémoire”, p 124). Fragmentos da
preposição que é, como observa Henri Delacroix (Cf. “Le langage et la pensée”,
p 492), verdadeira unidade da linguagem, as palavras tornam-se átomos
indiferentes e indeterminados; mas todas essas generalidades, se entrecruzam
por um jogo de relações gramaticais, adquirindo um sentido preciso e particular.
É porque o esforço intelectual vai do sentido para os signos, e não dos signos
para o sentido: as nossas ideias só são suscetíveis de ser pensadas no interior
de um contexto espiritual que as oriente.
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Vladimir Jankélévitch. Henri Bergson. Paris: Presses Universitaires de France, 1959, pp 17-18 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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