sexta-feira, 25 de setembro de 2020


    Havia lá um por quem eu me prendi numa verdadeira paixão. Era um Russo. Precisava de procurar o seu nome nos registos da Escola. Quem me poderá dizer o que lhe aconteceu? Tinha uma saúde delicada, extraordinariamente pálido; tinha os cabelos muito louros, algo compridos, os olhos muito azuis; a sua voz era musical, com uma ligeira pronúncia cantante. Uma espécie de poesia emanava de todo o seu ser, que vinha, creio, do facto dele se sentir frágil e desejando fazer-se amar. Era pouco considerado pelos outros colegas e raramente participava nos nossos jogos; para mim, se acaso ele me olhava, eu sentia-me logo envergonhado de me estar a divertir com os outros, e recordo certas brincadeiras onde, surpreendendo o seu olhar, de imediato eu abandonava a dita brincadeira para vir para perto dele. Divertíamo-nos ambos. Cheguei a desejar que o atacassem, para o poder defender. Nas aulas de desenho, onde nos era permitido conversar um pouco, desde que em voz baixa, nós sentávamo-nos um ao lado do outro; ele disse-me, nessa altura, que o seu pai era um sábio grande e muito célebre; não ousei perguntar-lhe pela mãe nem questioná-lo por que razão ele estava em Paris. Um belo dia ele desapareceu, e ninguém me soube dizer se tinha adoecido ou regressado à Rússia; uma espécie de pudor ou de timidez impediu-me de perguntar aos professores que talvez até me tivessem podido esclarecer, e conservei secreta uma das primeiras e mais vivas tristezas da minha vida.
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 Gide, André. Si le grain ne meurt. Paris: Gallimard, 2018, pp 83-84 (Tradução de Victor Oliveira Mateus).
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quinta-feira, 24 de setembro de 2020


 O Libération traz este fim de semana uma excelente homenagem a Juliette Greco (1927/02/07-2020/09/23). Na capa, a sensualidade da Dama de Negro, da Musa do Existencialismo,  insinuando um dos seus êxitos: Deshabillez-moi. Greco, cuja mãe fora presa pelos nazis durante a ocupação, viu-se também detida pela Gestapo durante algum tempo, e depois de libertada passou a viver em Saint-Germain-des-Prés, casou depois com Philippe Lemaire (1953-1956), com Michel Piccoli (1966-1976) e com Gerard Jouannest (1988-2018). Greco foi também a grande paixão de Miles Davis e foi igualmente amiga, companheira de boémia e cúmplice dos grandes da filosofia e da poesia da 2ª metade do século XX francês: Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, Jacques Prévert, Boris Vian, etc. 
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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

 


   Et elles passaient si loin de vous, ces heures de songe, heures de profondeurs mystiques et sensuelles, qui fondaient en tendresses les caillots les plus amers de la douleur, heures de bonheur complet, qui abolissait le temps et le monde entier, longue gorgée aux sources de l' Oubli! Et je vous revoyais, Manuelita, ensuite: qui veilliez pâle et lontaine: vous, âme simple, fermée dans vos armes simples.
(...) Mais à présent, si vous le pouvez, sachez: je devais rester fidèle à mon destin; c' était une âme inquiète, celle dont je me souvenais toujours quand je sortais m' asseoir sur les bancs de la place déserte, sous les nuées en fuite. Elle était ce par quoi seul le rêve m' était doux. Elle était ce par quoi j'oubliais votre petit corps dangereux, tout adorable de sveltesse et de force. Et pourtant, je vous jure, Manuelita, je vous aimais, je vous aime et je vous aimerai toujours plus qu'aucune autre femme... des deux mondes.
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  Campana, Dino. Chants Orphiques. Paris: Éditions Allia, 2006, pp 86-87 (Traduit de l' italien et préfacé par David Bosc).
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domingo, 13 de setembro de 2020


Un moine décrépit, dans l' heure tardive, se traîne dans la pénombre de l'autel, silencieux dans son froc velu, et prie les prières de quatre-vingts ans d'amour. Dehors le couchant se trouble. Lointaines, des raies menaçantes de fer pésent sur les monts alentour. Le rêve est à son terme et l'âme, soudainement seule, cherche un appui, une foi dans l'heure triste. Au loin, on voit lentement sombrer les vigies mystiques et guerrières des châteaux du Casentino. Alentour, un grand silence, un grand vide dans la lumière fausse de froides lueurs qui vacillent sous les étreintes de la pénombre. Et la mémoire court encore vers les nobles dames aux bras blancs, à leurs balcons, lá-bas: comme dans un rêve: comme dans un rêve de chevalerie!
   Je sors: le parvis est désert. Je m'assois sur le muret. Des figures errent, des feux errent et s' éteignent: les moines prennent congé des pèlerins. Une haleine continue et légère souffle de la forêt vers le haut, mais on n' entend ni le bruissement de la masse obscure, ni son flux à travers les cavernes. Une cloche de la petite église franciscaine tinte dans la tristesse du cloître: et elle semble pleurer dans l' ombre, pleurer le jour qui se meurt.
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  Campana. Dino. Chants Orphiques. Paris: Éditions Allia, 2006, pp 60-61 (Traduit de l'italien et préfacé par David Bosc).
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segunda-feira, 7 de setembro de 2020


" Partiu" ontem Gabriele Galloni. Um dos melhores jovens - com apenas 25 anos - poetas que até hoje conheci. Um voz rara, madura e precisa! Este blogue tem poemas seus na rubrica relativa às minhas traduções, a "Cintilações 4" trará também dois poemas seus traduzidos por mim. Todo esse trabalho de tradução foi sempre feito em estreito diálogo com o Gabriele. 
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Ver aqui:
http://www.pangea.news/gabriele-galloni-memoria/?fbclid=IwAR3WCZVMnAQn3-c4Ed50bsmWwoQ7BS2A3gb4EFpxnZRogihRvYM96q4mkW4
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quinta-feira, 3 de setembro de 2020


 Foi nos bastidores do Teatro Liceo de Salamanca, em 2018, e enquanto nos preparávamos os três para subir ao palco de uma sala completamente esgotada, que contactei pela primeira vez com a poeta argentina Ángela Gentile e com essa enorme figura da poesia espanhola chamada Antonio Colinas. Momento inolvidável, que, sem que eu o pudesse adivinhar, iria desembocar no presente livro, que tem a seguinte Dedicatória.
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"Criar planos para a vida será privá-la dos planos que ela tem para nós. Defendia isto, embora com outras palavras, o filósofo português Agostinho da Silva. Foi com uma dinâmica deste tipo, na qual acredito, que em 2018 conheci a poeta argentina Ángela Gentile no XXI Festival Hispano-americano de Poesia de Salamanca organizado pelo poeta e académico hispano-peruano Alfredo Pérez Alencart. Logo nessa altura tive oportunidade de conhecer a poesia de Ángela Gentile através de um seu livro que acabara de ser publicado ( Bizancio ) e de sobre ele conversar com a autora num jantar em que estava presente Jacqueline Alencar, tradutora e esposa do poeta acima referido. Ora, nesse jantar e de acordo com este jogo de coincidências cujo sentido acaba sempre por nos escapar, estava também João Artur Pinto, Editor da Labirinto, que agora, ao saber que eu estava a fazer esta tradução, se ofereceu de imediato para publicar o livro Madras, em versão bilingue. Dedico, por conseguinte, esta minha tradução a estes quatro amigos, pois sem eles esta obra, nesta sua forma, jamais teria sido possível.
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   Victor Oliveira Mateus In Madrás/ Madras, p 35.
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Nota: o jantar referido neste post realizou-se no Mosteiro de Fonseca, cuja imagem segue abaixo.
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Já à venda na Livraria online da Editora Labirinto.

Título: Madrás/ Madras (Obra bilingue).

Autoria: em castelhano da poeta angentina Ángela Gentile.

Versão portuguesa de Victor Oliveira Mateus.

Editora Labirinto, Nº 38 da Coleção contramaré.

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