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quarta-feira, 9 de agosto de 2023
sábado, 5 de agosto de 2023
.Leibniz admite e apresenta os dois tipos de provas.
Mas o seu juízo sobre umas e outras não coincide: as provas "a
priori" são mais fáceis, mas as provas "a posteriori" são
preferíveis e mais perfeitas, porque estabelecem o Absoluto ou o necessário sem
a mediação do relativo ou do contingente. Nas provas "a posteriori",
Deus é alcançado como condição necessária e suficiente de algum aspecto da
realidade acessível ao homem; é captado a partir de um ângulo estreito,
redutor, por assim dizer; como fundamento do que é "ab alio" e apenas
nessa medida. Mas Deus não se reduz a ser causa primeira ou razão última; e só
o é verdadeiramente numa consideração relativa às criaturas, não em si mesmo.
Ora, tudo o resto, a realidade de Deus enquanto desvinculada e "a
se", está ausente na apresentação do Deus que é demonstrado pelas provas
"a posteriori".
(...) Leibniz deixa constância, desde muito cedo, do
seu conhecimento do argumento anselmiano. As primeiras referências são, no
entanto, puramente históricas: o argumento existe e, desde a sua formulação
inicial por S. Anselmo, não deixou de ser sucessivamente reformulado ou
criticado (...) O seu juízo é, nesse momento inicial, tão sumário quanto
negativo: trata-se de um paralogismo.
(...) O juízo que formula então - trata-se de um argumento
válido, mas imperfeito ou de um argumento perfeito, mas incompleto - será o que
prevalecerá até ao final da vida. Assim, a partir de meados da década de 70, a
atenção que Leibniz dedica ao argumento ontológico vai no sentido de denunciar
os defeitos das formulações anteriores e de corrigir - tornando-o finalmente
demonstrativo - um argumento que, a seu ver, é válido mas ainda não foi
correctamente formulado. Ou, mais precisamente, Leibniz procura uma formulação
que confira à demonstração "a priori" da existência de Deus o rigor
das provas geométricas. (...) Leibniz apresenta-se a si mesmo como ocupando uma
posição intermédia entre os defensores incondicionais do argumento - Eckhard,
Tschirnhaus, Jaquelot, Spinoza, Lamy, etc. - e os seus críticos radicais -
Huthmann, Locke, Stillingfleet, Toland, Conring, Samuel Parker, Samuel
Werenfels, etc. -, que consideravam que não estamos em condições de produzir
uma prova "a priori" da existência de Deus, quer porque não possuímos
a ideia do ser maximamente perfeito, quer porque o trânsito da ideia à
realidade extra-mental, que a prova pretende poder explicar, é um trânsito
ilícito. (...) uma análise mesmo sumária (...) mostra que Leibniz tinha em
vista também outro combate: o combate contra o cartesianismo.
As críticas ao argumento ontológico que Leibniz
conhece e a que faz alusão centravam-se num dos dois aspectos seguintes, ou em
ambos: a) a prova é impossível porque não possuímos uma ideia adequada de Deus,
da qual seja possível inferir a existência; b) mesmo admitindo que temos uma
ideia de Deus - e que seja possível, portanto, assegurar o ponto de partida da
prova - não é possível, em todo o caso, realizar o trânsito da ideia à
realidade extra-mental, que a prova pretende levar a cabo. A primeira crítica atingia
o ponto de partida do argumento; a segunda nega a própria possibilidade de uma
prova "a priori", Leibniz considera desajustadas as duas críticas e
defende uma e outra vez o valor do argumento anselmiano: é possível assegurar
que possuímos uma verdadeira ideia de Deus (...) Leibniz pronuncia-se sempre do
mesmo modo sobre as diversas versões do argumento ontológico que conheceu,
incluindo a que ele próprio elaborou: trata-se de um argumento válido (...). O
erro que subjaz a todas as formulações não é, portanto, de concepção, mas sim
metodológico (...) Tal como se encontra formulado, mesmo apesar da sua
imperfeição, o argumento tem, no entanto, um valor particular (´...) é possível
inferir dele um enunciado no qual a existência de Deus se apresenta como dotada
da máxima probabilidade.(...) Quer isto dizer que quem pretender provar "a
priori" a existência de Deus só precisa de provar a sua possibilidade; e,
reciprocamente, quem pretender negar o argumento ontológico só poderá fazê-lo
negando a possibilidade de Deus, estabelecendo positivamente a sua
impossibilidade (...) O argumento ontológico tem, portanto, a virtualidade de
transferir o ónus da prova para os adversários: é quem o põe em causa que terá
de provar a sua falsidade, provando a impossibilidade de Deus, dado que a
presunção está sempre do lado da possibilidade de Deus.
Mas que a probabilidade da conclusão do argumento seja
máxima e que o seu enunciado condicional seja absolutamente verdadeiro não
significa - convém insistir - que o argumento, tal como foi formulado, e
sucessivamente reformulado, não seja um argumento que não prova, que não revela
absolutamente, mas apenas hipoteticamente, a existência de Deus. Aliás, só
assim se compreende que Leibniz não hesite em acusar uma e outra vez de ateísmo
tanto Descartes como Spinoza, precisamente dois grandes defensores do argumento
ontológico.
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Marta de Mendonça in "A Questão de Deus na
História da Filosofia, Vol. I", Sintra: Zéfiro, 2008, pp 351-356 (Coordenação de Maria Leonor Xavier).
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