sexta-feira, 18 de agosto de 2023


Nos dias 23, 24 e 25 de setembro decorrerão, a partir da Colômbia, as Comemorações do Centenário do Nascimento de Alvaro Mutis, um dos maiores escritores hispano-americanos vencedor do Prémio Cervantes, Prémio Príncipe das Astúrias e Prémio Médicis.
Segue-se a lista dos autores que irão intervir nestas comemorações:
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CENTENARIO MUTIS
POETAS CELEBRANTES
Marisol Bohórquez (Concord, California)
Martha Canfield (Florencia, Italia)
Elizabeth Córdoba (Duitama, Colombia)
Ensuncho De La Bárcena (Medellín, Colombia)
Hugo De Mendoza (Ciudad de México)
Felipe Donoso (Bogotá, Colombia)
Raffaela Fazio (Roma, Italia)
Luz Giraldo (Bogotá, Colombia)
Margarita Losada Vargas (Puebla, México)
João Vanderlei de Moraes Filho (Cachoeira, Bahía)
Nuno Júdice (Lisboa, Portugal)
Lauren Mendinueta (Lisboa, Portugal)
Victor Oliveira Mateus (Lisboa, Portugal)
María Fernanda Sucerquia (Barranquilla, Colombia)
Diego Valverde Villena (La Paz, Bolivia)
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quinta-feira, 17 de agosto de 2023


Claro que sou seu amigo, homem: mas, apesar de todas as amizades, sempre na vida estamos sozinhos; o que é mais grave, mais doloroso, exactamente como o que é mais belo, passa-se apenas connosco. Entre um homem e outro homem há barreiras que nunca se transpõem. Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor: o que temos pelos outros. De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos. E é por isso talvez que a grande amizade e o grande amor são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos; que são sempre voz activa, não passiva.
 Quanto mais o Luís se sentir só, melhor irá; mas há duas espécies de solidão: uma, que vem de  não acompanharmos os outros, outra que vem de nos não acompanharem eles; a segunda é que vale: esteja sempre com os homens e faça o possível porque eles não estejam consigo. Ser companheiro vale mais do que ser chefe. (...) a sua superioridade, se existir, deve ser como um bálsamo nas feridas, deve consolá-los, aliviar-lhes as dores. A sua grandeza, querido amigo, deve servir para os tornar grandes, no que lhes é possível, não para os humilhar, para os lançar no desespero, no rancor, na inveja. Vai ser esta para você a mais difícil de todas as artes (...) Para o pai não existe a sua própria altura, existe a pequenez dos filhos; e por isso os pais se curvam para eles, e os acariciam e os tomam nos braços, e já são grandes, Luís, e descobrem, erguidos ao alto, os horizontes que o pai nem sonha. (...) Quem tem a consciência de que é alto e o afirma a si próprio e aos outros com orgulho, efectivamente não o é, porque nem sabe o que é ser alto; que noção poderá ter de altura o que só olha para baixo? Picos de montes, rastos de nuvens, eis o que vale.
Há muitos meios, amigo Luís, em que é muito difícil não tomar grandes ares, ou porque tudo à volta é bastante inferior ou porque os muros do orgulho se levantam como num castelo de defesa. Mas serão, de facto, todas as culpas do ambiente? Não haverá nos homens as fraquezas que se reconhecem no meio?
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  Agostinho da Silva. Sete cartas a um jovem filósofo, seguidas de outros documentos para o estudo de José Kertchy Navarro. Almada: Ulmeiro, 1995 - 3ª Edição, pp 72-73.
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segunda-feira, 14 de agosto de 2023


                  Sonnet  104

To me, fair friend, you never can be old,
For as you were when first your eye I eyed,
Such seems your beauty still. Three winters cold
Have from the forests shook three summers' pride,
Three beauteous springs to yellow autumn turned
In process of the seasons have I seen,
Three April perfumes in three hot Junes burned,
Since first I saw you fresh, which yet are green.
Ah, yet doth beauty like a dial hand,
Steal from his figure, and no pace perceived;
So your sweet hue, which methinks still doth stand,
Hath motion, and mine eye may be deceived;
    For fear of which, hear this, thou age unbred:
    Ere you were born was beauty's summer dead.
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 William Shakespeare. 31 Sonetos. Lisboa: Relógio D' Água, 2015, p 58.
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Tradução de Ana Luísa Amaral:
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            Soneto 104

Para mim, belo amigo, nunca terás idade,
Pois tal como me foste, quando te olhei no olhar,
Assim me és: belo ainda. Três invernos medonhos
Agitaram dos ramos três Estios em esplendor.
Três gentis Primaveras se tornaram Outonos,
Eu vi as estações em constante mudar,
Três perfumes de Abril queimados por três Junhos
Desde que então te vi; e ainda: igual frescor.
Ah! Porém, a beleza, sem passo percebido,
Como braço do tempo recua, rouba a forma;
E a tua doce cor, parecendo não mudar,
Varia na mudança, pode iludir-me o olhar.
    Para que tal não fora, escutais, vós, por nascer:
    Antes de vós nascerdes, o mais belo morrera.
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William Shakespeare, idem, Tradução de Ana Luísa Amaral, p 59.
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quarta-feira, 9 de agosto de 2023


    Afán


La poesía como el amor,
se escribe cada día.
No basta el poema de ayer
y el amor no descansa.


Algo nos queda siempre sin decir
bajo los versos,
flotando entre los brazos
y los ojos dela poema.
Igual que una piel,
al despegarse de otra piel,
donde la plenitud de dos
cae en la soledad
que renueva el deseo.


Por eso, como la noche
inevitablemente
despierta en la mañana.
siempre vuelvo a escribir poemas,
vuelvo siempre a perderme en ti.
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  Ángeles Mora. Ficciones para una autobiografia. Madrid: Bartleby Editores, 20\5, p 53.
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Tradução de Victor Oliveira Mateus


       Afã


A poesia, tal como o amor,
escreve-se todos os dias.
Não basta o poema de ontem
nem o amor descansa.


Fica sempre algo por dizer
debaixo dos versos,
flutuando nos braços
e nos olhos do poema.
Assim como uma pele,
ao desprender-se de outra pele,
partindo da plenitude de dois
cai numa solidão
que renova o desejo.


Por isso, assim como a noite
inevitavelmente
desperta pela manhã,
também eu volto a escrever poemas,
e volto sempre a perder-me em ti.
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sábado, 5 de agosto de 2023


       A Existência de Deus e o Argumento Ontológico em Leibniz - 1ª Parte

.Leibniz admite e apresenta os dois tipos de provas. Mas o seu juízo sobre umas e outras não coincide: as provas "a priori" são mais fáceis, mas as provas "a posteriori" são preferíveis e mais perfeitas, porque estabelecem o Absoluto ou o necessário sem a mediação do relativo ou do contingente. Nas provas "a posteriori", Deus é alcançado como condição necessária e suficiente de algum aspecto da realidade acessível ao homem; é captado a partir de um ângulo estreito, redutor, por assim dizer; como fundamento do que é "ab alio" e apenas nessa medida. Mas Deus não se reduz a ser causa primeira ou razão última; e só o é verdadeiramente numa consideração relativa às criaturas, não em si mesmo. Ora, tudo o resto, a realidade de Deus enquanto desvinculada e "a se", está ausente na apresentação do Deus que é demonstrado pelas provas "a posteriori".

(...) Leibniz deixa constância, desde muito cedo, do seu conhecimento do argumento anselmiano. As primeiras referências são, no entanto, puramente históricas: o argumento existe e, desde a sua formulação inicial por S. Anselmo, não deixou de ser sucessivamente reformulado ou criticado (...) O seu juízo é, nesse momento inicial, tão sumário quanto negativo: trata-se de um paralogismo.

(...) O juízo que formula então - trata-se de um argumento válido, mas imperfeito ou de um argumento perfeito, mas incompleto - será o que prevalecerá até ao final da vida. Assim, a partir de meados da década de 70, a atenção que Leibniz dedica ao argumento ontológico vai no sentido de denunciar os defeitos das formulações anteriores e de corrigir - tornando-o finalmente demonstrativo - um argumento que, a seu ver, é válido mas ainda não foi correctamente formulado. Ou, mais precisamente, Leibniz procura uma formulação que confira à demonstração "a priori" da existência de Deus o rigor das provas geométricas. (...) Leibniz apresenta-se a si mesmo como ocupando uma posição intermédia entre os defensores incondicionais do argumento - Eckhard, Tschirnhaus, Jaquelot, Spinoza, Lamy, etc. - e os seus críticos radicais - Huthmann, Locke, Stillingfleet, Toland, Conring, Samuel Parker, Samuel Werenfels, etc. -, que consideravam que não estamos em condições de produzir uma prova "a priori" da existência de Deus, quer porque não possuímos a ideia do ser maximamente perfeito, quer porque o trânsito da ideia à realidade extra-mental, que a prova pretende poder explicar, é um trânsito ilícito. (...) uma análise mesmo sumária (...) mostra que Leibniz tinha em vista também outro combate: o combate contra o cartesianismo.

As críticas ao argumento ontológico que Leibniz conhece e a que faz alusão centravam-se num dos dois aspectos seguintes, ou em ambos: a) a prova é impossível porque não possuímos uma ideia adequada de Deus, da qual seja possível inferir a existência; b) mesmo admitindo que temos uma ideia de Deus - e que seja possível, portanto, assegurar o ponto de partida da prova - não é possível, em todo o caso, realizar o trânsito da ideia à realidade extra-mental, que a prova pretende levar a cabo. A primeira crítica atingia o ponto de partida do argumento; a segunda nega a própria possibilidade de uma prova "a priori", Leibniz considera desajustadas as duas críticas e defende uma e outra vez o valor do argumento anselmiano: é possível assegurar que possuímos uma verdadeira ideia de Deus (...) Leibniz pronuncia-se sempre do mesmo modo sobre as diversas versões do argumento ontológico que conheceu, incluindo a que ele próprio elaborou: trata-se de um argumento válido (...). O erro que subjaz a todas as formulações não é, portanto, de concepção, mas sim metodológico (...) Tal como se encontra formulado, mesmo apesar da sua imperfeição, o argumento tem, no entanto, um valor particular (´...) é possível inferir dele um enunciado no qual a existência de Deus se apresenta como dotada da máxima probabilidade.(...) Quer isto dizer que quem pretender provar "a priori" a existência de Deus só precisa de provar a sua possibilidade; e, reciprocamente, quem pretender negar o argumento ontológico só poderá fazê-lo negando a possibilidade de Deus, estabelecendo positivamente a sua impossibilidade (...) O argumento ontológico tem, portanto, a virtualidade de transferir o ónus da prova para os adversários: é quem o põe em causa que terá de provar a sua falsidade, provando a impossibilidade de Deus, dado que a presunção está sempre do lado da possibilidade de Deus.

Mas que a probabilidade da conclusão do argumento seja máxima e que o seu enunciado condicional seja absolutamente verdadeiro não significa - convém insistir - que o argumento, tal como foi formulado, e sucessivamente reformulado, não seja um argumento que não prova, que não revela absolutamente, mas apenas hipoteticamente, a existência de Deus. Aliás, só assim se compreende que Leibniz não hesite em acusar uma e outra vez de ateísmo tanto Descartes como Spinoza, precisamente dois grandes defensores do argumento ontológico.

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Marta de Mendonça in "A Questão de Deus na História da Filosofia, Vol. I", Sintra: Zéfiro, 2008, pp 351-356 (Coordenação de Maria Leonor Xavier).

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quarta-feira, 2 de agosto de 2023


    Te pareces a mi cuando amanezco


Me levanto descalza entre la ropa,
desdoblo mis vestidos con cuidado,
busco bajo las sillas algo tuyo,
espero a que mi casa se llene de autobuses,
me dirás que el rocío no llega al quinto piso
pero abro la ventana,
trato de recordar alguna cosa,
reconozco mi rostro en el espejo,
me propongo leer a Pasolini
y no perder el tiempo demasiado
ensayando la cara que pondré
cuando te encuentre,
escucho los murmullos que llegan de la calle,
aparto las botellas que dejaste en el suelo,
descubro en los cristales un mensaje,
recojo las cortinas con una cinta roja,
me salgo de la noche
     dando
          saltos.
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  Teresa Gómez. Plaza de abastos. Sevilla: Vandalia, 2022, p 111.
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Tradução de Victor Oliveira Mateus:

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Pareces-te comigo quando amanheço


Levanto-me descalça por entre a roupa,
desdobro os meus vestidos com cuidado,
procuro debaixo das cadeiras algo teu,
espero que a minha casa se encha de autocarros,
dir-me-ás que o orvalho não chega ao quinto andar
no entanto abro a janela,
tento recordar alguma coisa,
reconheço o meu rosto no espelho,
proponho-me ler Pasolini
e não perder demasiado tempo
ensaiando a cara que porei
quando te reencontrar,
escuto os tumultos que me chegam da rua,
afasto as garrafas que deixaste pelo chão,
descuro nos vidros uma mensagem,
prendo as cortinas com uma cinta vermelha,
saio para a noite
aos saltos.
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